Esse Evangelho subversivo
Desse modo, não existe diferença entre judeu nem grego; entre escravo e livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um em Cristo Jesus. Gl 3:28.
Talvez uma das ideias mais subversivas que podemos encontrar no texto bíblico é de que todos somos iguais perante Deus não havendo a menor diferença se somos brancos, negros, pardos, homens, mulheres, homossexuais, empregados, desempregados etc. Embora para a maioria de nós essa ideia seja “óbvia” (pelo menos nos discursos), para o tempo em que textos como a resposta negativa dada por Deus ao pedido de Moisés quando esse pede para “ver” a glória de Deus, ou o próprio texto paulino que fala a respeito da não diferenciação entre homens, mulheres, livres e escravos, foram escritos essa era uma ideia totalmente estranha.
Pensemos o próprio exemplo do texto de Paulo que já está alguns séculos mais próximos de nós do que o livro do Êxodo. À época do texto paulino, a estratificação social era bem mais explícita e as diferenças também o eram. Um servo não tinha a mesma importância que o senhor, nem o senhor a mesma importância que o imperador. Isso era algo totalmente impensado e não fazia o menor sentido para a sociedade daquela época. Havia graus de importâncias diferentes legitimados tanto pela religião quanto pela sociedade.
A proposta do Evangelho, assim, tem seu caráter subversivo. Colocar o servo com a mesma importância do imperador e, ainda mais, com a mesma dignidade que este último, ao mesmo tempo que liberta o oprimido gera também, de certo modo, o ódio do opressor.
Em nossos dias, em que se crescem os discursos nacionalistas e separatistas, percebemos que o que está em jogo passa também pelo sentimento de “diferenciação” em relação ao outro que não faz parte do mesmo estrato social ou mesma região da qual pertencem aqueles e aquelas que buscam esse tipo de ruptura. Ao dizerem que determinado país pertence somente a um povo, ou que uma região deve se separar da outra por se considerar mais “inteligente” ou “produtiva” que outra, ou que determinado país deve ter a primazia sobre os outros, ou ainda que povos devem se converter a determinada religião para terem direito à vida e à condições dignas, o que se tem dito é que há graus de importância diferentes dentro da mesma sociedade e que algumas pessoas são mais dignas e importantes que outras.
O que impressiona é perceber que vários e várias que pregam e sustentam esse tipo de coisa se dizem cristãos e cristãs e vão aos cultos e missas todos os domingos, cantam sobre a unidade e acham lindas as mensagens de paz entre os povos. Contudo, no dia-a-dia, em redes sociais, e em seus trabalhos, faculdades etc, frases do tipo “bandido bom é bandido morto”, “dá com dó, leva para casa”, “não tem nada que reabilitar preso, ele tem é que sofrer para pagar pelo que fez”, “tá na rua pedindo é porque é vagabundo e não gosta de trabalhar”, costumam ser comuns para muitos desses e dessas.
O caráter subversivo do Evangelho, ao colocar todos e todas sob a categoria do pecado, bem como com a mesma dignidade através da misericórdia de Deus, dessa forma, nos convida à humildade. Convida-nos a perceber que somos tão pecadores e tão capazes do mal quanto àqueles e àquelas que condenamos em nossos discursos.
O Evangelho nos convida, assim, não a pensarmos: “nossa, graças a Deus sou melhor que esses ladrões e assassinos que vejo aparecendo condenados na TV e nas redes sociais”, mas, antes, pensarmos: “se Deus teve misericórdia de mim, por que não teria desse assassino, estuprador, ladrão etc?”.
A subversividade da proposta evangélica se manifesta em diversas coisas e, a igualdade de todos e todas diante de Deus, se levada a sério, se torna uma delas.