A pobreza no evangelho de Lucas
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É muito comum se falar sobre os pobres ao mencionar os Evangelhos. Dentre eles, talvez o que mais traga essa questão seja o de Lucas. O evangelista, ao longo de todo seu grande livro dividido em dois tomos (Lucas e Atos), faz questão de mostrar a categoria do pobre para mostrar a íntima conexão que há entre o Reino de Deus e o fim da pobreza.
Exemplos são muitos. Desde os primeiros capítulos, conforme nos mostra Alberto Casalegno[1], Lucas já expõe aqueles que não possuem nem mesmo uma túnica para si (Lucas 3,11). A imagem do mendigo Lázaro, que está à porta do homem rico e abastado, ou ainda o rico que, diante da afirmação de Jesus de que seria necessário que ele abrisse mão de sua riqueza e a desse aos pobres para alcançar o Reino de Deus, sai tristíssimo por ser dono de grande propriedade, ou ainda o da viúva pobre que deu tudo o que tinha para viver, enquanto os ricos davam do que lhes sobrava, mostram como que o evangelista coloca em contraste os pobres e os abastados.
Como também nos aponta Casalegno, no evangelho de Lucas a pobreza não é uma categoria abstrata, mas concreta em seu evangelho. Portanto, não se trata de algo meramente espiritualizado, numa ideia de que tais pessoas seriam somente “pobres de espírito”, antes, o pobre é aquele que realmente sofre a carestia de até mesmo, elementos básicos para sua sobrevivência.
Mesmo que seja possível dizer com Casalegno que ao longo de seu texto Lucas reinterprete as categorias de ricos e pobres, fazendo com que a esta se refira aos discípulos de Jesus, enquanto aquela aos judeus, dado o conflito entre esses dois grupos na Palestina do primeiro século, é notória a presença de pessoas com boas condições financeiras na comunidade de Atos.
Os exemplos estão presentes no capítulo 4 do livro de Atos, em que se relata que havia várias pessoas que vendiam suas propriedades e davam aos mais pobres, de maneira que não houvesse carestia entre os membros da comunidade.
Tal narrativa, por sua vez, nos faz perceber que o evangelista parece ter em mente que no Reino de Deus que há de vir, a pobreza não deve ser algo que exista. Não deve haver quem necessita do básico para viver, assim como não deve haver pessoas que se apegam tanto ao dinheiro de maneira que deixe seu irmão com carência de algo.
O caso de Zaqueu, narrado em Lucas 19, mostra-se bastante emblemático. O evangelista, narrando o encontro do cobrador de impostos com Jesus, ressalta a restituição proposta por Zaqueu e, curiosamente, somente após sua atitude de dar aos pobres metade de seus bens, bem como de restituir 4 vezes mais aquilo que roubou, é que Jesus afirma que a salvação entrou naquela casa. Em outras palavras, como nos aponta Casalegno: “O texto de Lucas sublinha que, só depois da decisão honesta de conversão de Zaqueu (v.8), a salvação entra em sua casa (v.9)”.
Diante desses pequenos exemplos tirados dos textos de Lucas dá para perceber o lugar que o pobre ocupa em seu evangelho. Em contraste a isso, suas diversas narrativas ressaltam o papel que a pessoa cristã deve ter na luta contra as estruturas que geram a pobreza. O Reino de Deus é aquele no qual não há carestia por parte de ninguém, não há desigualdade social e todas as pessoas são iguais em seus direitos. Estar atento a essa mensagem cristã, tão presente no evangelho lucano, é fundamental para o anúncio de uma boa nova que faça sentido para as pessoas de nosso tempo, principalmente em um momento em que se aumenta a pobreza em nosso país e em diversos lugares do mundo, fruto de uma economia neoliberal.
Lutar contra as estruturas que geram a pobreza é dever cristão. Privar-se disso é não compreender a mensagem de Jesus
[1] Seguimos, neste texto, as boas indicações de Alberto Casalegno, em seu artigo Pobreza e Riqueza no Evangelho de Lucas, disponível em http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1686/2014