As críticas de James Rachels à teoria da lei natural

As críticas de James Rachels à teoria da lei natural

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James Rachels foi um importante filósofo estadunidense e abordou o tema da ética em diversos de seus trabalhos. Neste pequeno texto, gostaria de apresentar sua crítica a uma das abordagens que tenta estabelecer a relação entre religião e moralidade, a saber, a famosa teoria, dominante no pensamento cristão, chamada de Teoria da Lei Natural.

Segundo Rachels, essa teoria possui três partes que merecem maiores atenções.

A primeira parte é a que tem como princípio que “o mundo tem uma ordem racional, com valores e fins alicerçados na sua natureza mesma” (RACHELS, 2013, p.61). Isso, por sua vez, é feito por um Deus que tem um plano divino para esse mundo e tem o controle de tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá nele, estando todos os eventos já determinados desde a fundação do mundo.

A segunda parte é um corolário da primeira.  Uma vez que se vê o mundo dessa forma, surge o modo de pensar de que as leis da natureza não somente mostram como as coisas são, mas também como essas deveriam ser, o que é o mesmo que dizer que “o mundo está em harmonia quando as coisas servem à sua finalidade natural” (RACHELS, 2013, p.62), o que implica derivar as leis morais das leis da natureza e assim, afirmar categoricamente que os atos contrários à natureza não podem ser considerados como atos morais.

Obviamente, há grandes problemas com essas duas partes da teoria. Rachels, em sua análise, lista três razões pelo qual essa teoria da lei natural, com esses dois pontos, deve ser rejeitada hoje.

A primeira, é por dizer que aquilo que é natural é bom, o que não concorda com a realidade em muitas questões, como por exemplo, o fato de que os humanos se importam mais consigo mesmos do que com os outros, ou ainda com o fato de que existam doenças que ocorrem naturalmente; fatos que são, por si só, coisas más.

A segunda é que “a teoria da lei natural parece confundir ‘ser’ e ‘dever ser’” (RACHELS, 2013, p.63), não fazendo a distinção entre os fatos e os valores que deveriam reger esses fatos. Nesse sentido, podemos dizer que a Teoria da Lei Natural tenderia a um pragmatismo ético sem tamanho.

A terceira objeção feita por Rachels a essa teoria é que ela entra em choque com toda visão de mundo obtida a partir da ciência moderna, que cada vez mais tem percebido que o universo em que habitamos é composto pelo caos, bastando para isso observar a física quântica com sua instabilidade estarrecedora e que coloca em xeque diversos paradigmas acreditados durante séculos.

Após essas objeções às duas primeiras partes da Teoria da Lei Natural, Rachels expõe a terceira parte dessa teoria, que consiste em enfrentar a questão do conhecimento moral. Uma vez que esta parte do princípio de que “os juízos morais são ‘ditames da razão’” (RACHELS, 2013, p. 63), visto que o próprio Deus nos deu o poder para entendê-las, isso torna a moralidade independente da própria religião e, assim, a crença religiosa não afetaria esse cálculo a respeito do que é o melhor a ser feito.

Levando isso às últimas consequências, é possível perceber o grande risco de uma religião que se preocupa somente com questões “espirituais” sem tocar a realidade do mundo.

No que tange à relação entre a religião e as questões particulares, Rachels considera que muitas pessoas pensam que é o ensinamento moral da própria religião que conta para as questões morais, o que o leva a levantar algumas questões que confrontam certa visão meramente religiosa.

A primeira, é ausência de encontrar, nas escrituras religiosas, alguma orientação moral específica, uma vez que estas são escritas em contextos culturais e sociais bastante diferentes dos nossos. Em segundo lugar, afirma que as escrituras e a tradição da Igreja se diferem em muitos pontos, o que gera o dilema da escolha sobre quais tradições seguir e quais não. 

Diante dessas considerações, aparentemente, Rachels se mostra bastante cético com relação à possibilidade de uma formação de ideias morais de maneira autônoma em alguns religiosos, chegando a defender que a formação das ideias morais de algumas pessoas religiosas, que se dá por meio de seus líderes, é incutida por esses mesmos líderes para corroborar um pensamento que estes já têm a respeito das escrituras ou da tradição.

Dessa forma, para ele “cada geração interpreta as suas tradições para apoiar os seus pontos de vista morais” (RACHELS, 2013, p.68) e, assim, “certo e errado não devem ser entendidos em termos da vontade de Deus; a moralidade é uma questão da razão e consciência, não da fé religiosa” (RACHELS, 2013, p.69), o que diferencia, segundo ele, moralidade da religião, ainda que a relação entre essas duas questões exista e seja complicada.

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