Um Deus que pergunta e dialoga

Um Deus que pergunta e dialoga

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Vinde e arrazoemos, diz o Senhor (Isaías 1,18)

Que queres que eu te faça? (Marcos 10,51)

Quem diz a multidão que eu sou? (Lucas 9,18)

Onde está o caminho para onde se difunde a luz e se espalha o vento oriental sobre a terra? (Jó 38,24)

 

O que todos esses versículos têm em comum e por que, afinal de contas, eles foram escolhidos para iniciar o primeiro texto do novo ano? São perguntas honestas, visto que são tirados de livros bíblicos totalmente diferentes e, consequentemente, de contextos totalmente diversos uns dos outros.

Quando olhamos mais de perto, é possível perceber que o primeiro deles se trata de um convite feito por Deus a seu povo. Os dois seguintes, são perguntas de Jesus feitas ora a seus discípulos e discípulas, ora ao cego de Jericó, e o terceiro se refere ao belíssimo livro de Jó, no qual Deus, após ter sido inquirido pela personagem principal, responde a ela com uma série de perguntas, visando mostrar o quão desconhecedor Jó era, ao contrário do que este achava de si mesmo.

Em todos os textos, porém, estão presentes duas características muitas vezes esquecidas do Deus bíblico, que são a de ser um Deus que chama ao diálogo e que faz perguntas a fim de esclarecer as coisas. Esse esquecimento, por sua vez, trouxe marcas horríveis para o cristianismo ao longo de sua história. Um cristianismo que nasceu a partir de um Deus que lança perguntas e convida para a conversa se transformou, em muitas de suas vertentes, em uma religião que possui todas as respostas prontas e não está disposta a ouvir aquilo que lhe é diferente.

Nesse sentido, transformou-se em um religião das respostas e não das perguntas, do dogma e não da teologia, oprimindo pessoas e trazendo sobre elas um julgo muito mais pesado do que aquele proposto por Jesus. Tal cristianismo passou a dizer que questionar dogmas é desafiar a Deus, que duvidar é sinal de falta de fé, que discutir textos é sinal de insubordinação, que estudar determinados temas é ameaça à vida cristã, dentre tantos outros absurdos que, ao longo da história, fez-se presente em meio cristão, seja católico, ortodoxo ou protestante.

Recuperar o Deus que pergunta e dialoga é fundamental para a cristianismo atual, caso este ainda queira ser uma voz digna de fala e, principalmente, digna de ser ouvida. Um cristianismo para o século 21 não pode ser aquele que traz todas as respostas prontas, como se todas elas fossem atemporais, e se tivesse uma receita que deve ser seguida para a resolução dos problemas do mundo. Não. Um Deus que segue nesses moldes não é digno de fé, somente mais um tirano dentre vários outros que existem por aí.

Um Deus que pergunta e dialoga é um Deus que caminha junto, que se importa, que deseja conhecer mais do caminhante, bem como se deixar conhecer por este que caminha. É aquele que está disposto a ouvir as necessidades, ouvir os pontos de vista, compreender o que se passa na cabeça das pessoas, visando ser um companheiro de jornada.

Se já se sabe todas as respostas, para que perguntar aos outros? Para que ouvir o que é diferente? Somente para dar a ideia de que se dialoga? Compor uma personagem para a sociedade contemporânea?

A radicalidade de seguir a um Deus que pergunta e dialoga demanda que se entre em um diálogo verdadeiro, honesto e disposto com a sociedade em suas diversas esferas religiosas, econômicas, ambientais, políticas etc. Não para dar as respostas prontas, ou meramente intervir na tentativa de criar uma teocracia. Antes, para ouvir e, a partir da escuta atenta, ajudar a propor caminhos que tornem o mundo um lugar melhor para todas as pessoas.

Tarefa difícil? Sem dúvida, mas extremamente necessária para o cristianismo contemporâneo. Que passos nessas direção continuem a ser dados neste novo ano que se inicia.

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