Um evangelismo que não leva o Evangelho

Um evangelismo que não leva o Evangelho

Durante muito tempo o Cristianismo se viu como a única religião verdadeira e, por se ver dessa forma, considerava que todas as outras religiões eram enganadoras e precisavam ser convertidas àquilo que o Cristianismo entendia como verdade. Assim, durante grande parte da Idade Média, as investidas cristãs contra pessoas que não confessavam a mesma fé foram enormes, podendo ser verificadas em qualquer livro de história. Com o advento da Modernidade e, posteriormente a idade Contemporânea, uma nova forma de lidar com as outras religiões se fez necessária. Já não era mais possível dizer que as outras religiões não tinham valor nenhum e eram todas meras enganações trazidas pelo inimigo para desviar os filhos de Deus da fé verdadeira. Reconhece-se que as religiões são parte da própria cultura de um povo, de maneira que não deve ser vista como algo que caiu do céu, mas dentro do arcabouço sociológico, cultural, filosófico e antropológico da sociedade na qual se crer de determinada forma. Nessa perspectiva, ainda que tateando alguns avanços bem modestos, o Concílio Vaticano II avança ao considerar as outras religiões como tendo valor no propósito divino, mesmo que ainda considere que essas religiões possuam verdades imperfeitas, sendo a perfeição dessa verdade encontrada no Cristianismo. Mesmo esse tipo de discurso tenha grandes problemas, não podemos negar que traz em si um olhar um pouco mais positivo a respeito das outras religiões na perspectiva cristã.
A pretensão de superioridade do Cristianismo em relação às outras religiões ainda continua e se mostra como grande empecilho para se propor um diálogo inter-religioso de maneira honesta com as religiões que não possuem matrizes cristãs. O motivo é muito simples: afinal, uma vez que se considera como possuindo a verdade perfeita em si, dialogar com o outro se torna sem sentido e, em última instância, o que se deseja nesse suposto diálogo é tentar convencer o outro de que ele precisa aceitar as verdades cristãs para cumprir o propósito divino. Em outras palavras, torna-se um proselitismo disfarçado de diálogo a fim de provar que o outro está errado e o Cristianismo está correto em sua interpretação do mundo.
Um exemplo desse tipo de abordagem se encontra nas propostas de evangelização comumente vista no Cristianismo e, principalmente, no movimento evangélico. O sucesso de tal campanha evangelística é medido pelo número de pessoas que se converteram à religião, uma vez que “aceitar a Jesus” nessas campanhas é a mesma coisa de “converter-se ao Cristianismo”. Assim, a proposta de ouvir o outro, ir até esse outro para anunciar a boa nova da salvação é, muitas vezes, um disfarce para aumentar o número de membros em determinada comunidade.
A boa nova é trazida como mercadoria que tem o poder de transformar a vida a partir do momento que se diz sim à proposta anunciada. Nesse sentido, a promessa de Jesus de uma vida abundante é somente moeda de troca para a entrada no Cristianismo. Esse tipo de evangelização que se preocupa com o número e a uma conversão a um escopo de crenças e discursos em nada tem a ver com a proposta de Jesus, que consistia em uma transformação de vida que gerasse a abertura ao próximo e ao próprio Deus, o que levaria a uma mudança de postura frente à sociedade. Essa mudança implicaria assumir a causa do oprimido, lutar contra a injustiça, levantar-se contra os sistemas que geram morte, anunciando que Deus se importa com a humanidade e propõe uma nova forma de ver o mundo que é pelos olhos do amor.
Diante disso, talvez um dos primeiros passos para que o Cristianismo proponha um diálogo inter-religioso honesto seja abrir mão da pretensão de superioridade e ter a humildade de se reconhecer como mais uma religião dentre tantas outras. Isso não significa abrir mão de sua identidade e confissão, antes, perceber que, pelo exemplo de Jesus, é isso que se espera de todo/a que teve realmente um encontro com o Pai.

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