Será que realmente estamos dispostos a dialogar?

Será que realmente estamos dispostos a dialogar?

Ao nos perguntarmos hoje a respeito do diálogo ecumênico, devemos antes nos questionar sobre o significado da palavra diálogo. De origem grega, essa palavra pressupõe, no mínimo, dois falantes para que se exista. Essa característica é, muitas vezes, esquecida em nossas conversas e, ao invés de haver diálogo, há monólogos, discussões acaloradas, brigas e inúmeras outras coisas. Enfim, tudo. Menos o diálogo.
Para que haja diálogo é necessária a disposição para ouvir a opinião diferente que chega a nós para, somente após essa compreensão podermos dizer algo a respeito. Dizer algo a respeito é totalmente diferente da tentativa de convencimento do outro acerca da minha opinião e essa característica pode ser extremamente útil para se avaliar se o que se está tendo é diálogo ou proselitismo. Ao tentar, a todo custo, fazer com que nosso ouvinte se converta àquilo que dissermos, já não estamos em tentativa de diálogo, antes de conversão.
Esse ponto nos indica algo muito importante: que a função do diálogo é poder fazer com que eu repense as minhas opiniões e as depure após o contato com o outro, de maneira que me torne uma pessoa melhor do que era antes do contato com o diferente. Se eu, enquanto cristão protestante, converso com um ateu, após esse diálogo não é necessário que eu me converta ao ateísmo ou que o ateu se converta ao protestantismo, mas, antes, que ele saia um ateu melhor, com seu ateísmo depurado pelo protestantismo que professo, e que eu saia um protestante melhor, tendo meu protestantismo depurado com ateísmo daquele que me fala. Reconhecer essa característica é imprescindível caso queiramos e estejamos dispostos a dialogar.
Durante muito tempo, a Igreja cristã não se comportou dessa maneira e, ainda hoje, vemos vestígios dessa postura não dialogal em diversas comunidades. Os diversos rachas que ocorreram ao longo da história da Igreja (o cisma de 1054, em que houve a separação entre igreja oriental e igreja romana, o movimento de reforma, as diversas segmentações dentro do próprio movimento reformado desde Zwinglio), bem como as diversas perseguições que ocorreram aos não cristãos são, em sua maioria, reflexo da dificuldade de se estar aberto ao diálogo e às opiniões divergentes. Muitas vezes disfarçados de preocupação com a verdade, o fechamento ao diferente se coloca como regra e não exceção no meio do povo de Deus.
A tentativa de diálogo ecumênico teve grande alavancada com o concílio Vaticano II (1962-1965) em que protestantes e católicos estavam presentes para discutir um novo posicionamento da Igreja frente às questões de seu tempo, e continua até dias atuais. Mesmo que haja diversos grupos promovendo esse diálogo localmente, em escala maior podemos destacar a tentativa de um documento comum entre a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, devido aos 500 anos de Reforma a ser comemorado no próximo ano, bem como a reaproximação entre Igreja Católica e Igreja Ortodoxa promovida pelo Papa Francisco recentemente.
No fundo, as questões impeditivas para um diálogo mais aberto entre as denominações são de caráter dogmático no que tangem a respeito à salvação, sacramentos e ministérios. Embora não sejam questões fáceis de serem resolvidos no âmbito doutrinal, ao se abrirem à tentativa do diálogo começam a perceber que há mais coisas que os unem do que aquelas que os separam, uma vez que em todas elas a reunião ocorre “em nome de Jesus Cristo que habita em nós, por meio do seu Espírito”.
Não seria a pneumatologia, então, o caminho pelo qual esse diálogo ecumênico poderia se tornar ainda mais virtuoso? Ao terem em mente que o mesmo Espírito atua nas diversas comunidades cristãs espalhadas pelo mundo, e que por meio Dele, a Igreja se torna, por meio de seus membros, o bom perfume de Cristo em meio às diversas atrocidades e violência espalhadas pela terra, e participam todas na promoção do Reino de Deus que há de vir, a linguagem do amor e da comunhão falará mais alto e poderá ser ouvida pelos pequeninos da Terra de maneira a encontrarem, seja em qual denominação for, a presença do Cristo ressuscitado, por meio do seu Espírito presente no corpo da Igreja.
Ao se abrirem ao diálogo, sob a perspectiva do Espírito, as diversas confissões cristãs se percebem como verdadeiras irmãs, e não como rivais, tendo um objetivo comum que é o seguimento de Jesus Cristo.
Uma vez dialogando entre si é possível dialogar com as outras religiões que não professam Jesus como Cristo e que possuem outra linguagem para falar a respeito do divino e do sagrado. Esse diálogo entre as religiões, embora já muito tentado por meio da cristologia, chegou a um impasse, para usarmos o termo de Amos Yong. Esse impasse se dá justamente na questão da salvação ao tentar explica-la por meio de cristologias, sejam inclusivistas, sejam exclusivistas.
Diante desse impasse, não seria o momento de tentarmos abordar o diálogo inter-religioso por meio da pneumatologia? Não seria o Espírito, aquele que dá vida, uma possível chave de leitura para a tentativa de estabelecer um diálogo aberto entre o cristianismo e as outras religiões?
Embora haja um crescente movimento cristão em torno da pessoa do Espírito Santo na atualidade, principalmente nas igrejas neopentecostais e no movimento carismático, percebemos que, ao invés da abertura para o diálogo, esses movimentos estão, em sua maioria, na tentativa de fechamento ao diálogo por meio de um discurso retrógrado, excludente, oportunista e, muitas vezes, charlatão.
A teologia cristã precisa, se quiser propor um diálogo aberto entre suas confissões e entre as outras religiões, denunciar e não se calar frente a pregações que não refletem o Espírito de Cristo, mas os espírito do mundo, da ganância e do egocentrismo.
Somente assim, não tolerando os intolerantes, que poderemos manter um diálogo aberto e seguir, na força do Espírito, na tentativa de abertura para o diferente, percebendo as diversas revelações de Deus no mundo, sejam nas confissões cristãs, sejam nas outras religiões.

 

Será que realmente estamos dispostos a dialogar?
Fabrício Veliq
Da série dos textos publicados no Portal Dom Total:   http://domtotal.com/noticia.php?notId=1026638

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