Cultura: um convite à memória, à abertura e à liberdade

Cultura: um convite à memória, à abertura e à liberdade

Deveria ser difícil e até estarrecedor para todos somente imaginar a possibilidade de um país sem cultura. Embora se possa dizer que a cultura nunca se acaba e nunca é destruída, não podemos negar o fato de que ela pode ser minada até o ponto de minguar.
Quando isso acontece, a cultura passa a ser preservada somente por grupos que se importam com ela, uma vez que esses veem na cultura a legítima manifestação daquilo que lhes é mais próprio enquanto grupo e povo.
Recentemente, houve em nosso país, a extinção do Ministério da Cultura (MinC). Esse foi transformado em Secretaria e submetido ao Ministério da Educação. A razão para a extinção foi a tentativa de “enxugar” a máquina pública, bem como a diminuição de gastos do governo que, obviamente, tem caminhado para uma economia neoliberal. No entanto, como mostrado poucos dias depois, a economia que veio como resultado dos cortes em ministérios se revelou pífia, jogando a razão dada pela equipe interina por terra.
O deputado Marco Feliciano postou um vídeo no YouTube, dizendo que aqueles que ficaram tristes com a extinção do MinC deveriam procurar um emprego, o que dá a entender que todo aquele que se ocupa com essas questões se encaixa nas categorias de “desocupados” ou “vagabundos”. Graças à pressão popular, o MinC foi reestabelecido e voltou a ser Ministério no país, o que mostra o grande poder que o povo, quando organizado, detém sobre sua nação.
Diante da extinção do MinC e da fala do deputado supracitado, podemos perceber que tais eventos são simbólicos e emblemáticos, uma vez que reflete a mentalidade daqueles que veem o incentivo à cultura como algo supérfluo e, até mesmo, sem sentido dentro do país.
Tudo isso nos conclama a refletir sobre aquilo que nos é trazido pela cultura e suas manifestações. Gostaria de ressaltar 3 aspetos acerca da cultura: 1) A cultura nos faz olhar para dentro, nos faz refletir sobre nossas raízes, a fim de que possamos compreender nosso presente. Nesse sentido, a cultura se mostra como resgatadora de memória. Acabar com o incentivo à cultura é, assim, catalisar a perda de memória do povo. 2) A cultura é também aquela que nos coloca diante do novo, diante do diferente, abrindo novos pontos de vista a respeito da sociedade e do mundo. Dessa forma, a cultura é abridora de janelas para a alma e o intelecto. Acabar com o incentivo à cultura é, assim, contribuir para o fechamento dos olhos do povo para aquilo que está fora das formas pré-moldadas e estereotipadas de nossa sociedade. 3) A cultura é objeto de poder e liberdade, uma vez que é construtora de identidade de um povo. Todo povo se reconhece a partir da sua cultura e se organiza a partir dela. Expressar a cultura é um aspecto da liberdade. Acabar com o incentivo à cultura é promover o enfraquecimento da sociedade, levando-a gradativamente à escravidão da mídia e do mundo de trabalho, tornando-o assim, cada vez mais, sujeito à alienação e à morte.
Teria a teologia alguma coisa a ver com isso? A resposta é sim, uma vez que toda teologia frutifica a partir do povo e reflete a sua cultura. Assim, não se deve existir uma teologia que não dialogue com a cultura de onde é feita.
É papel da teologia trabalhar no incentivo da cultura, de maneira que essa continue a funcionar como aspecto da memória, abertura, poder e liberdade do povo frente às tentativas de subjulgamento por parte dos poderosos deste mundo. Uma teologia que se coloca contra o incentivo à cultura é perniciosa e visa, somente, a manutenção do status quo dos que detém o poder.
Lembremos que, desde os primórdios do cristianismo, a teologia foi interpelada pelas culturas de seu tempo e somente dialogando com elas que foi possível construir a teologia que temos hoje e, sem o diálogo com as culturas de nosso tempo, não haverá teologia que faça sentido para os que virão depois de nós.

Dessa forma, dialogar e incentivar a cultura é, na teologia, dentre outros aspectos que não foram abordados, fazer memória da história, é se abrir para novas formulações a partir das vivências do povo e é se mostrar como parceira da liberdade em um mundo aprisionado.

Fabrício Veliq
Da série dos textos publicados no Portal Dom Total: http://domtotal.com/noticia.php?notId=1029441

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