A sociedade como desafio e parâmetro para uma teologia hermenêutica
Nestas últimas semanas temos falado sobre desafios de uma teologia hermenêutica, ou seja, de uma teologia que tenha algo a dizer para homens e mulheres de nosso tempo. Após expormos a relação que há entre a teologia e a cultura de um povo, também é importante que se traga a estreita relação que há entre a teologia e a sociedade.
Não se deve ignorar que toda a teologia é uma teologia de determinada sociedade. Não há uma teologia única, como se tivesse caído do céu e chegasse pronta para o local onde ela é feita. Muito pelo contrário, toda teologia nasce a partir de uma sociedade e da forma que esta faz a experiência de Deus. Tomando o próprio relato bíblico como exemplo, é possível perceber diversas teologias sendo formadas, à medida que o povo de Israel se tornava peregrino e convivia com outros povos. Essa nova sociedade que surgia entre o povo de Israel (é importante lembrar que em muitos casos o povo de Israel viveu mais de uma geração como escravo de alguma nação) se apropriava de vários aspectos do povo no qual estava inserido e não teria como ser diferente, uma vez que é próprio do humano buscar viver em algum tipo de comunidade.
Assim, ao se tentar fazer teologia em dias atuais, não é possível mais excluir o aspecto societário em que ela é feita. Antes, a teologia precisa assumir que está dentro de uma sociedade e que é feita a partir das categorias conforme são entendidas por ela. Isso implica entendê-la e ouvir suas questões para, então, à luz do que se entende ser o exemplo de Cristo, ajudar a construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Se a teologia e a sociedade não devem ser vistas como algo que estão separadas, então todos os aspectos desta devem ser também tema de estudo e preocupação por parte daquela, o que é totalmente diferente de fazer com que o discurso religioso cristão seja o discurso da sociedade. Essa diferença é substancial, uma vez que a teologia cristã não tem como foco uma teocracia cristã, em que favores são concedidos aos “irmãos” enquanto o resto da população sofre a duras penas para conseguir seus direitos básicos, como foi o caso recente das declarações de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, em encontro com líderes evangélicos dessa cidade. Na linha oposta, a teologia cristã, se segue realmente o exemplo de Cristo, deve ser aquela que intervém com seu caráter profético de denúncia da injustiça e luta para que a justiça seja feita sobre a sociedade na qual essa teologia se faz.
Uma teologia que se curva ao status quo onde pobres se tornam cada vez mais pobres e ricos se tornam cada vez mais ricos não deve ser considerada cristã, uma vez que segue na direção oposta de tudo aquilo que Jesus, durante seu ministério, fez e que o levou a ser condenado como bandido aos olhos do Império Romano. Embora muitos hoje em dia acreditem que teologia e sociedade não devam se misturar, o exemplo de Cristo se mostra na contramão disso.
Essa relação é, portanto, um desafio para uma teologia que quer se fazer hermenêutica e, ao mesmo tempo, torna-se parâmetro para avaliar até que ponto uma proposta teológica é realmente cristã. Toda teologia que não se coloca ao lado dos humilhados, desfavorecidos, pobres, e feitos como escória da sociedade não é uma teologia que pode ser considerada cristã. Que isso tenha implicações sérias para o modo de viver somente ressalta que a forma que fazemos teologia tem muito a dizer da forma com a qual vemos e vivemos a sociedade em que estamos.