O Cristianismo como servo de todos?

O Cristianismo como servo de todos?

Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e servo de todos (Mc 9,35)
De acordo com a narrativa do Evangelho de Marcos, Jesus diz essa frase a seus discípulos em um momento em que eles discutiam entre si a respeito de quem seria o maior entre eles. Mesmo que muito conhecido entre os cristãos desde os primeiros séculos do Cristianismo, ao atentarmos à história dessa religião, é possível perceber que, durante muito tempo, sua disputa foi justamente a respeito daquilo que esse versículo trata.
A partir da conversão de Constantino e, posteriormente, a oficialização do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, essa religião passou a querer ser a maior e a melhor entre todas as outras, o que pode ser percebido nas diversas disputas que ocorreram no período da Idade Média com sua caça a tudo, todos e todas que falavam algo contra a doutrina cristã vigente. Pela sua força dizia então, constantemente, que era a maior e mais poderosa no meio da sociedade.
Mesmo na Idade Moderna, que trouxe uma grande perda de espaço para Cristianismo na sociedade, ainda é possível perceber que esse desejo de ser a maior entre as outras religiões e entre os novos discursos da sociedade permaneceu. Para o Cristianismo desse período era preciso se afirmar como a verdade e também convencer aos outros que o ápice de todo o conhecimento que se adquiria somente seria encontrado na verdade cristã, o que em outras palavras é, justamente, afirmar-se como maior entre todos os conhecimentos terrestres.
Em tempos recentes, da mesma forma, é possível perceber o crescer do mesmo tipo de discurso por parte do movimento cristão, seja católico, seja protestante. São diversos os movimentos que levantam para si a bandeira de que o Cristianismo deve ser a maior de todas as religiões e deve, portanto, converter todas as pessoas para seu discurso para, por meio disso, afirmar que essas encontraram nele a verdade última e o sentido último de tudo.
Em nível ecumênico isso também se mostra como realidade. As disputas que ocorrem entre as próprias igrejas cristãs, que querem a todo custo convencer os/as fieis de que elas são as melhores e aquelas que apresentam um evangelho mais puro, ou um entendimento da mensagem cristã mais apurado, ou a verdade real da fé como foi anunciada pelos primeiros discípulos ainda estão presentes nos diversos canais de TV, programas de rádio, YouTube etc.
A resposta de Jesus, porém, segue na direção contrária, ao dizer que quem quiser ser o primeiro deve ser o último e servo de todos e, no capítulo seguinte, afirmar que quem não se tornar como criança, de maneira nenhuma entrará no Reino dos Céus. Ser como criança, último e servo de todos estão em estreita relação e, em última análise, quer dizer a mesma coisa, quando se tem em mente que em todo mundo bíblico tanto o servo quanto a criança eram considerados os últimos da sociedade e aqueles que menos mereciam atenção na escala social. É importante lembrar que não havia o Estatuto da Criança e do Adolescente, nem a Declaração de Direitos Humanos no século I, o que levava a considerar essas crianças e os servos como pessoas desprovidas de direito e, algumas vezes, como peso para a sociedade, uma vez que, no caso das crianças, até aos 12 anos não se podia nem guerrear, caso fosse do século masculino, piorando ainda sua situação caso fosse do século feminino.
Diante disso, a proposta de Jesus se mostra muito mais radical do que se imagina. Ser o servo de todos e último (que, em última instância, é ser como criança que era serva de todas e última) é um desafio para um Cristianismo que, em muitos casos, ainda deseja ser o soberano e dominador sobre todos e todas. Essa proposta chama aos cristãos para uma postura de humildade, de rebaixamento e de confiança naquele/a a quem chamamos Deus  Pai/Mãe. É por meio dessa postura de entrega e humildade diante do mundo e para o mundo que a mensagem de Cristo deve ser pregada, sendo o próprio ato a pregação em si.
Se, enquanto cristãos, estamos dispostos a isso é uma pergunta que carece de resposta diária.

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