Voltar ao primeiro amor
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É muito comum ouvir em pregações evangélicas o tema da volta ao primeiro amor. Quem já está dentro de uma igreja há algum tempo, provavelmente já ouviu algum sermão sobre o texto de Apocalipse 2,4-5 que diz: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste ao teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas.”.
Geralmente, o que se ouve nas pregações que tratam desse texto é que Cristo estaria chamando cada pessoa a voltar ao sentimento que se tinha logo após a conversão: aquela alegria, disposição e empolgação de sair evangelizando e anunciando o texto bíblico para tentar fazer com que mais pessoas se convertam ao cristianismo (não necessariamente à proposta do Evangelho). Esse afã, que com o passar do tempo vai sendo perdido, é encarado por muitas pregadoras e pregadores como “esfriar” na fé, ou como o “abandono do primeiro amor” relatado no texto.
Contudo, uma leitura atenta nos mostra que não é bem essa a ideia do autor. O versículo 2 desse mesmo capítulo relata o elogio que Cristo faz à igreja de Éfeso. Esse elogio estava, justamente, na questão de sua resiliência diante da perseguição que sofria, bem como por saber distinguir os falsos apóstolos dos que eram verdadeiros. Nesse sentido, podemos inferir de que tal igreja era bem fundamentada na doutrina apostólica e prezava por uma doutrina correta.
Mesmo diante disso, a exortação do versículo 4 permanece. Tal igreja havia abandonado o primeiro amor. O termo grego traduzido como amor é ágape, ou seja, o amor que não tem a ver com um mero sentimento, mas com a ação efetiva na direção do próximo. Esse amor é o que havia sido esquecido pela igreja de Éfeso e que poderia ser o motivo de Cristo “mover o candeeiro”, caso ela não se arrependesse. Essa expressão mover o candeeiro pode significar duas coisas, segundo exegetas e biblistas: que Cristo tiraria a igreja de Éfeso da posição de igreja mãe das outras igrejas (aqui é importante se lembrar da relevância que a cidade de Éfeso tinha na Ásia menor nesse período, variando entre 300 a 500 mil habitantes, de maneira que essa igreja se mostrava bastante influente na relação com as demais que estavam no seu entorno); pode também significar que Cristo iria encerrar aquela igreja e ela deixaria de existir, visto ele ser aquele que tem todas as igrejas em sua mão direita, como diz Apocalipse 1.
Nos dois casos possíveis, o que está posto como questão principal é que aquilo que aos olhos de Cristo caracteriza sua igreja não é o apego à doutrina ou ao culto, mas o amor ao próximo que se manifesta em ações efetivas na direção deste.
Voltar ao primeiro amor, então, não tem a ver com um sentimento ou certeza doutrinal de que se está no caminho certo. Antes, tem a ver com o amor que é demonstrado para com o próximo e, principalmente, para com as pessoas necessitadas, excluídas e perseguidas por causa da justiça. Da mesma forma, não tem a ver com proselitismo, ou com quantas almas se ganhou para Jesus no ano. Isso, aos olhos de Cristo, nunca foi medida de comprometimento com a fé, ou medida de quanto amor se tem a ele.
Voltar ao primeiro amor se torna realidade quando no lugar do juízo levamos a misericórdia, no lugar da condenação levamos a graça e no lugar do medo da morte levamos a alegria da vida. Em outras palavras, quando agindo como Jesus agiu, praticamos um amor que não visa nada em troca e luta para a transformação da sociedade para que ela se torne um lugar em que haja justiça social, ausência de fome, ruptura das estruturas de morte e afirmação da vida. Ou seja, anunciamos realmente o Evangelho e sua mensagem transformadora.
No lugar do proselitismo e do evangelho barato que tal proselitismo traz, a proposta de Cristo é para que demonstremos em atos a essência do primeiro amor, que é ele próprio em sua entrega em favor da humanidade.