Um Deus que vai ao encontro da humanidade
Foto de Patty Brito na Unsplash
Na língua portuguesa há duas expressões que são comumente faladas e muitas vezes confundidas. São elas: “ir ao encontro” e “ir de encontro”. Ambas, sem dúvida, são muito parecidas, contudo possuem sentidos totalmente opostos. Quando usamos “ir ao encontro” pressupomos que há certa concordância entre as partes envolvidas, sendo uma favorável à outra. Quando, todavia, usamos a expressão “ir de encontro” pressupomos a ideia oposta, ou seja, há uma discordância entre as partes envolvidas, sendo uma contrária à outra. Dessa forma, “ir de encontro a algo ou alguém” quer dizer ser contra esse algo ou alguém.
Por que é importante para uma pessoa cristã saber essa diferença? Bom, primeiramente, porque falar e escrever corretamente ajudam muito na hora de transmitir determinada ideia de forma clara e assertiva. Segundo, porque nos ajuda a compreender algumas características presentes em diversas pregações que ouvimos hoje em dia.
A mensagem cristã, ao longo de sua história, durante um período considerável, deu mais ênfase ao Deus que vai de encontro à humanidade do que ao Deus que vai ao encontro da humanidade. Ou seja, durante muito tempo, e ainda hoje, tem-se pregado um Deus que é contra o ser humano, que o considera como não digno, pecador, sujo, afastado de Sua graça e que precisa desesperadamente de alguém que o salve da condenação do inferno. Esse tipo de pregação enfatiza um Deus que está distante, inacessível em sua glória, precisando ser adorado e exaltado para que sua ira não recaia sobre o ser humano e sobre a criação.
Esse tipo de pregação enfatiza um Deus tirano, que age arbitrariamente simplesmente para satisfazer seus caprichos. Se para mostrar que o ser humano está errado for preciso destruir uma cidade inteira enviando um tornado, não tem problema algum para esse Deus, afinal, quem mandou determinado povo não obedecer à vontade divina? Esse é somente um dentre tantos outros exemplos que podemos tirar tanto do texto bíblico como das pregações atuais. Deus e a humanidade, dessa forma, são colocados em polos contrários, estando constantemente um contra o outro.
No entanto, a partir dos Evangelhos é possível perceber uma outra ideia de Deus. Um Deus que vai ao encontro da humanidade, que vê nela algo de bom, que tem alegria em sua companhia e reconhece que ela não é, por natureza, má, mas carrega em si algo do próprio Deus que lhe criou. Esse Deus narrado nos Evangelhos, sendo amor, está sempre indo ao encontro de sua criação, dispondo-se a caminhar com ela e promovê-la para que se torne cada vez mais aquilo que foi chamada a ser. Esse Deus que vai ao encontro da humanidade, na perspectiva cristã, revela-se em Jesus, em sua entrega e ressurreição em favor de seus irmãos e irmãs.
Pregar um Deus que vai de encontro à humanidade gera uma casta superior, daqueles e daquelas que se consideram santos e irrepreensíveis, que se consideram estando mais perto de Deus e, por isso mesmo, podem se colocar como pedágio para os que querem se aproximar Dele. Com isso, sentem-se autorizados a justificarem perseguições, desigualdades sociais, opressões, estelionatos e tantos outros crimes, feitos em nome desse deus, contra as pessoas mais pobres e desfavorecidas.
Na linha oposta, pregar um Deus que vai ao encontro da humanidade é perceber que o mundo da forma como está não é o desejado por Deus e, por isso mesmo, lutar contra as diversas injustiças que nele se manifestam é tarefa cristã. Anunciar a libertação dos pobres, cativos e oprimidos com voz profética se mostra como o caminho necessário para anunciar que o amor de Deus para com a humanidade não é algo passivo, mas como todo amor, ativo, que visa a liberdade de todas as pessoas que alcança.
Pregar um Deus que vai ao encontro da humanidade é a única pregação cristã possível, fazendo coro ao que Hans Urs von Balthazar afirma: “só o amor é digno de fé”.