Extremos a serem evitados

Extremos a serem evitados

Foto de Chris Linnett na Unsplash


Falar sobre extremismos é algo muito comum em nossos dias. Na verdade, já se fala sobre essa temática há algum tempo, mas no Brasil esse assunto ocupa um espaço maior atualmente, dadas todas as manifestações antidemocráticas e atos de violência cometidos por diversos eleitores do candidato derrotado nas últimas eleições.

Abordar o tema do extremismo e suas manifestações se mostra importante para a sociedade, para que ela não sucumba a um estado totalitário, bem como para que não se normalize ações que devem ser condenadas com o rigor da lei em um estado democrático de direito. Nesse sentido, preservar a democracia implica não tolerar tais atos, uma vez que não se pode usar o discurso da democracia para ataca-la e tentar destruí-la.

Quando seguimos para o campo religioso, infelizmente, tais extremismos também se encontram. E isso independe de que religião falamos. Em praticamente todas elas os discursos extremistas estão presentes, alguns em maior, outros em menor grau, mas praticamente todos utilizando o fundamentalismo religioso para justificar seus atos.

Dado esse contexto já muito conhecido, gostaria de falar um pouco sobre outros dois extremismos que ainda se mostram presente no cristianismo contemporâneo. Esses, por sua vez, deixado de lado por diversas pessoas que fazemos parte dessa religião, mesmo que sejam bem antigos na história da fé cristã. Falo da velha querela entre cientificidade e mistério.

Na história do cristianismo ocidental, desde seu início houve a preocupação de se pensar a fé, dando razões dela para a comunidade que nascia em meio a um judaísmo milenar. Já nas páginas do Novo Testamento se percebe a grande preocupação que diversos autores têm para mostrar a pertinência de se crer em Jesus de Nazaré como Messias, mostrando por meio de argumentos lógicos e retóricos que em Jesus se cumpria aquilo que havia sido prometido por Javé ao seu povo.

Do lado latino, são diversos os teólogos que escreveram grande tratados na tentativa de conciliar razão e fé, sendo esse um dos grandes motes de toda a teologia medieval. Ainda que se preservasse a questão do mistério, a tônica era conciliar fé e razão.

Quando partimos para a Modernidade, a cientificidade proposta desse período também chega ao fazer teológico, principalmente de matriz protestante. A conhecida Teologia Liberal, tão mal compreendida por alguns e tão temida por outros é um exemplo do nível de cientificidade que, de alguma forma, alcançou o movimento cristão desse período.

Do outro lado, vemos ressurgir os movimentos espiritualistas, que na verdade, nunca deixaram de existir desde Montano. Ou seja, movimentos que davam ênfase à experiência da ação do Espírito de Deus na vida da pessoa humana. Exemplos como o movimento dos alumbrados na Idade Média, ou os místicos do mesmo período, ou ainda os movimentos petistas e puritanos e, por fim, o próprio movimento pentecostal nos dão um panorama de que tais ênfases não são questões somente contemporâneas, mas que sempre esteve presente no movimento cristão ocidental.

Nesse percurso, os dois extremismos se mostram: se de um lado temos teólogos e teólogas preocupados somente com a racionalização das experiências cristãs, que devem ser analisadas, categorizadas, passadas pelo escrutínio da razão, sem muitas vezes nenhuma margem para algo espiritual, no outro extremo temos diversos movimentos cristãos que insistem em uma fé somente emocional, que não reflete sobre nada, mas somente sente aquilo que chamam de “o mover de Deus”.

Ambos são perigosos e, na verdade, muito pouco cristão. A experiência da fé e do seguimento de Jesus tem o seu tom afetivo. Afinal, aqueles discípulos e aquelas discípulas tiveram uma experiência com Jesus antes de racionalizar sobre essas experiências. Eles e elas foram, de alguma forma, tocados pela vida de Jesus para, após isso, pensar o que aquilo quis dizer e como se relacionava com os conceitos e expectativas religiosas que tinham.

Assim, ambos os extemos se mostram como perigosos e devem ser evitados. Uma fé que pensa não pode de maneira nenhuma castrar o afeto que tal fé pressupõe, até mesmo porque tal fé só é possível a partir da experiência com o Ressuscitado.

Em tempos de extremismos, como teólogos e teólogas que buscam o saber somos tentados a cair nessa racionalização e desconsiderar a categoria do mistério de Deus e a temerosa verdade de que, no que tange a fé cristã, a completude de Deus não pode ser racionalizada. Em outras palavras, resgatar a categoria do mistério é fundamental para o cristianismo do século 21, ressoando os famosos ditos de Dostoievski de que a beleza salvará o mundo e de Karl Rahner que afirmava que o cristão do futuro ou será místico ou não será cristão.

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