A religião como critério de mensuração de status moral
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Por mais estranho que se possa parecer, a religião ainda é usada para mensuração do status moral das pessoas. Se formos mais à fundo, é possível perceber que tal critério não se encontra apenas nas pequenas comunidades locais, mas de alguma forma, pelo menos no Ocidente, atinge todo um imaginário social, de maneira que podemos pensar na construção de uma representação social que acredita que as pessoas que têm alguma religião são mais próximas de Deus e mais moralmente corretas do que aquelas que não a possuem.
Quando olhamos para o meio cristão, essa característica aparenta ser mais notável. Afinal, ainda é muito comum se ouvir ali que aqueles e aquelas que não se converteram, por melhores que sejam em suas condutas, ainda estão longe de Deus, ou ainda, que tais pessoas vão para o inferno (leia-se: câmara de tortura na qual as pessoas não cristãs tendem a sofrer pelos séculos dos séculos), ou ainda que a essas pessoas não convertidas faltaria a base da moralidade, que seria a obediência ao texto bíblico.
Pode parecer esquisito (e realmente é), mas esse tipo de visão ainda se impõe em diversos cenários cristãos. Além dessa comparação com os de fora, a comparação com os de dentro também se estabelece. Comumente se pensa que o/a pastor/a ou o padre é uma pessoa mais próxima de Deus do que o resto da comunidade. Uma fala do tipo: “vou pedir para o/a pastora orar, porque Deus o/a responde” ainda se ouve em diversas comunidades cristãs, como se status ministerial fosse garantia de intimidade com Deus. De alguma forma, tem-se a ideia de que aqueles e aquelas imbuídos/as de alguma autoridade na comunidade teriam uma espécie de “acesso especial”, como se fossem clientes “premium” do grande banco celestial, e por esse motivo, teriam acesso a um atendimento “personalité”, ao contrário das outras pessoas, que deveriam esperar na fila dos guichês normais de atendimento.
Pensar a religião como critério de moralidade ou de intimidade e relacionamento com Deus se mostra como algo extremamente pernicioso. Não só pelo risco direto de se discriminar e desumanizar as outras pessoas que não compartilham da mesma fé, como também pela legitimação que tal pressuposto dá para que charlatões/ães se proliferem no meio do povo.
A realidade, porém, nos mostra que a religião nunca deve ser vista como critério de intimidade com Deus ou como critério de moralidade. Basta nos lembrarmos dos diversos casos de abusos sexuais em diversas comunidades cristãs que vieram à tona recentemente. Da mesma forma, pessoas que usam de sua pertença religiosa para se considerarem superior às outras, na maioria das vezes tendem a usar tal pertencimento como escudo para esconderem suas falhas e pecados.
Isso, claro, não é um problema contemporâneo. Jesus mesmo, em sua parábola do fariseu e do publicano, nos conta sobre certo fariseu, que se considerando superior aos outros por causa de suas ações religiosas, orava de si para si, enquanto o publicano, reconhecendo-se em sua humanidade falha, humilhando-se orava pedindo misericórdia. Como conclui Jesus, o segundo saiu justificado e o primeiro não.
O cristianismo como um todo, caso queira ser uma voz digna de ser ouvida ainda hoje, necessita urgentemente se tornar como o publicano da parábola de Jesus. Perceber-se como uma religião como qualquer outra, nem superior, nem inferior, ensinando a/à seus/suas fieis tal princípio. Com isso, renunciar ao poder que já há muito tempo se acostumou a ter, esvaziando-se dele para, através da volta à mensagem simples de Jesus, deixar-se ser mais um instrumento nas mãos de Deus para a transformação do mundo em um lugar melhor de se viver.