Um Deus vulnerável e improvável
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Nesta semana se comemora o Natal no Ocidente. Em tempos de pandemia, muito provavelmente, tais comemorações se mostrarão bem mais reservadas para uma parcela da população que está atenta aos cuidados que ainda se precisa ter para evitar a proliferação da COVID-19. Da mesma forma, dado o grande número de mortes que o país teve por causa das omissões do Governo Federal na aquisição de vacinas, muitas famílias estarão sem seus entes queridos, vivenciando ainda momentos de luto por causa deles, tornando suas celebrações mais íntimas e introspectivas.
Há ainda aqueles e aquelas que, contrariando todas as normas de segurança, passarão em grandes festas, comendo e bebendo como se não houvesse pandemia ou amanhã. Em contraste a esses, infelizmente, também haverá aqueles e aquelas que passarão sem nada para comer, visto que a fome voltou a ser uma realidade no país, fruto de um governo que visa a morte de seus cidadãos.
Em todos esses cenários é possível perceber, dado o contexto em que vivemos, a marca da vulnerabilidade. Claramente, o último grupo se mostra como mais vulnerável de todos, uma vez que não possuem, muitas vezes, nem mesmo a opção de se protegerem do vírus. Essa vulnerabilidade, por sua vez, se voltarmos para as narrativas dos evangelistas, coloca-se como marca característica da maneira como Deus se revelou à humanidade: na situação de vulnerável. O bebê na manjedoura, cercado de pessoas anônimas, sábios e pastores que observavam o tempo em que estavam, um casal pobre se refugiando em um lugar vulnerável para dar luz revelam muito bem o cenário escolhido por Deus para o anúncio de sua salvação.
A narrativa do nascimento de Jesus, tão lembrada nessa época, chama nossa atenção para aquilo que os evangelistas mostraram tão claramente: Deus se encontra junto aos vulneráveis, e tem por eles a sua preferência. Longe das pompas dos grandes palácios e das grandes riquezas, Deus se revelou entre as pessoas simples, em um lugar remoto, na improbabilidade.
Essas características da improbabilidade e da vulnerabilidade, por sua vez, não são uma invenção dos evangelistas, visto já estarem presentes em outras narrativas de nascimentos bíblicos, como, por exemplo, o de Isaque e o de Moisés. Um Deus que se revela no improvável e no vulnerável é marca do Deus bíblico e, consequentemente, marca do próprio Jesus, que de acordo com a fé cristã, é o próprio Deus encarnado.
Lembrar-se do Natal, no entanto, não tem a ver com a exaltação da pobreza, como se Deus quisesse que todas as pessoas estivessem em situações de vulnerabilidade. Discursos desse gênero só fazem sentido para os poderosos deste mundo que desejam que suas riquezas aumentem, mesmo que para isso milhões de pessoas devam morrer.
Muito pelo contrário, a mensagem do Natal visa a afirmar que mesmo na improbabilidade e vulnerabilidade, Deus se revela trazendo sua salvação da morte e a esperança de que dias melhores haverá de surgir. Se todo nascimento de uma criança é um sinal de que Deus ainda acredita na humanidade, a narrativa do Natal mostra isso em sua radicalidade. O nascimento daquele bebê em vulnerabilidade revela que, mesmo que improvável, a salvação de Deus chega ao seu povo. É na verdadeira humanidade que Deus se revela como é, no paradoxo de um amor vulnerável e, no entanto, firme; improvável e, contudo, digno de fé. Lembrar-se disso é o primeiro passo para se celebrar o Natal em perspectiva cristã.
Feliz Natal.