O mito das pautas apartidárias

O mito das pautas apartidárias

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Uma fala que ainda é muito comum de se ouvir, principalmente quando se entra em alguma conversa sobre humanidades, é aquela que afirma que se deve haver neutralidade nos discursos a respeito de determinado saber. Ou seja, se vamos falar de política, a discussão deve ser apartidária, se falamos sobre filosofia, esta também deve estar livre de tomar algum tipo de partido a respeito das coisas, preocupando-se somente em apresentar o que certo autor falou, ou as teorias que compõem os pontos fundamentais de seu pensamento etc.

Nesse sentido, recorrem ao famoso mito da neutralidade científica, como se fosse possível alguém não se implicar subjetivamente em seu campo de estudo, abstraindo-se de todo arcabouço cultural, social, político no qual está inserido e que determinam em última instância até mesmo as leituras das realidades nas quais tais “cientistas” vivem.

Quando vamos para a teologia isso não é diferente. É também muito comum a ideia de que a teologia e os estudos acerca das religiões devam ser neutros, apartidários, e não raramente, pede-se o distanciamento do sujeito com relação ao objeto a ser estudado para que tal objeto possa ser analisado “de fora” com toda imparcialidade possível. Se por um lado seja importante o rigor acadêmico na pesquisa, a vista dos assuntos por diversos ângulos e perspectivas para avançar o conhecimento e buscar o mais universal naquilo que se estuda, é impossível que tal distanciamento seja por completo, justamente por causa daquilo que acabamos de mencionar no parágrafo anterior.

Com isso, chegamos novamente àquilo que temos falado ao longo de vários textos nesta coluna: toda teologia é fruto do seu tempo, da condição social de quem a faz, da cultura que determinado teólogo ou teóloga está inserida. Não há uma teologia “em si”, que exista em algum lugar nos céus e que precisa ser descoberta e sistematizada. Muito pelo contrário, o reconhecimento de que o fazer teológico é um esforço humano na tentativa de falar sobre o divino é fundamental para poder compreender determinada teologia feita por determinada pessoa, em determinado século.

Nesse sentido, não há teologia apartidária. Fazer teologia é tomar partido de algo. Ao mesmo tempo, toda teologia se mostra, efetivamente, como política, visto que pressupõe um posicionamento efetivo com relação ao mundo que nos cerca. Se a teologia cristã fala a respeito de um Deus que se coloca ao lado dos pobres, essa teologia tem uma visão de justiça que passa, necessariamente, pela atuação política para a mudança de uma sociedade na qual os pobres são marginalizados.

Da mesma forma, quando lemos nas páginas do texto bíblico que não deve haver discriminação entre as pessoas, independentemente de sexo, raça e nação, ali também está um posicionamento político diante da sociedade daquele tempo. Ler tais textos fora desses contextos sociais, políticos e econômicos é não se atentar às propostas revolucionárias e subversivas que foram feitas ao longo de diversas passagens do texto bíblico.

Assim, o discurso apartidário em qualquer assunto humano, em última instância, traz em seu bojo a ideia do mito da neutralidade científica, tentando aplicá-lo aos contextos sociais, políticos e econômicos, que nada mais faz do que assumir que o status quo deva ser reconhecido como o melhor possível.

Diante disso, é tarefa teológica mostrar que toda proposta apartidária é, na verdade, assumir o partido dos que detém o poder e isso segue na contramão da proposta de Jesus Cristo, o subversivo de Nazaré.

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