Celebrar e não compreender: o caso da páscoa cristã

Celebrar e não compreender: o caso da páscoa cristã

Imagem de Andrew Martin por Pixabay 

Neste último domingo foi celebrada a Páscoa, a ressurreição de Cristo, marco de todo cristianismo e até mesmo, como diz Paulo, a razão de nossa esperança. Essa semana, tão especial para o cristianismo, na qual se tem a sexta-feira da Paixão, na qual se reflete sobre a morte e o sofrimento de Jesus na cruz, o sábado de Aleluia, no qual se reflete sobre a espera e a expectativa de que a promessa feita por Jesus se cumprirá e, por último, a Páscoa na qual se celebra a vitória da Vida sobre a morte. Mesmo que neste ano toda essa liturgia tenha ocorrido de forma atípica, haja vista que na maior parte do mundo esta foi celebrada de maneira virtual, com cada pessoa participando desse momento em seu lar, não se pode desconsiderar o valor que esses dias possuem para o Ocidente cristão.

Porém, algo que é importante de se lembrar é que o fato de participar de alguma coisa não quer dizer que se entende o que ela realmente significa. Isso os próprios evangelistas deixam claro em diversos momentos. Discípulos e discípulas que caminhavam com Jesus durante todo seu ministério comumente não compreendiam o significado de seus gestos e palavras. Basta lembrar-nos do pedido de Tiago e João em Marcos 10,37: “Senhor, permita-nos que na sua glória nos assentemos um a sua direita e outro à sua esquerda”. Eles fazem esse pedido logo após Jesus falar com o jovem rico que ele deve abrir mão de sua riqueza, bem como após ouvirem uma série de ensinamentos que mostravam que, ao contrário do que era pregado em suas culturas, são aos sem mérito algum que pertencem o Reino, ou seja, às mulheres que eram consideradas inferiores, às crianças, que como sabemos, eram os “pequenos escravos”, os últimos e menos importantes da comunidade, e aos pobres que não possuíam nada sobre o qual justificar a benção de Deus sobre eles.

Da mesma forma, após a ressurreição Lucas mostra que os apóstolos de Jesus não compreenderam os gestos e ditos feitos por ele na ceia, seu anúncio de ressurreição repetido diversas vezes ao longo de seu ministério, nem ainda, seus ensinamentos antes de ser assunto ao céu. Em Atos 1,6, os apóstolos perguntam: “é agora que o senhor vai devolver o Reino para o povo de Israel?” mostrando que ainda estavam dentro da mentalidade judaica da época e que esperavam um Messias filho de Davi que instauraria o Reino de Israel.

Com apenas esses dois exemplos é possível perceber que participar da liturgia não nos faz pessoas que compreendem o que está acontecendo nela. Em tempos atuais isso se mostra de maneira gritante. Afinal, são diversas as pessoas que fizeram suas orações na sexta-feira da Paixão e, ao mesmo tempo, continuam a apoiar os discursos daqueles que têm os torturadores como ídolos. Da mesma forma, são inúmeras as pessoas que celebraram a ressurreição neste domingo, mas apoiam políticas geradoras de morte à população mais pobre e vulnerável, ressaltando que a economia é mais importante que essas vidas e que tanto faz morrer 5000 ou 7000 pessoas, pois o país não pode parar por causa disso.

Essas, com certeza, se encaixam no grupo do qual falamos mais acima. Elas participam da sexta-feira da Paixão, realizam a ceia da Páscoa, estão presentes em seus canais televisivos ou lives das redes sociais, comentam posts com diversos “améns”, choram de emoção com os hinos que são cantados e com todo ritual que acontece ali, mas sua atitude para com os mais pobres, com os vulneráveis, com aqueles e aquelas a quem pertencem o Reino de Deus de acordo com o ensinamento de Jesus não mudou em nada.

Muito pelo contrário, aplaudem os discursos geradores de morte e incentivam que os pobres sejam expostos ao perigo para que seus lucros e confortos permaneçam.

Celebram a ressurreição de Cristo com os lábios, mas em suas atitudes condenam-no novamente à morte. Em outras palavras, não compreenderam o real significado de tudo isso que é celebrado pelo cristianismo nesse período do ano. São como aqueles e aquelas que ouviram o que Jesus falou, acharam super legal e tocante, mas em nada se dispuseram a enxergar o mundo na perspectiva do Reino de Deus, permanecendo cegos e à beira do caminho, tal como o cego Bartimeu. A elas falta fazer o mesmo pedido de Bartimeu: “senhor, eu quero ver de novo” para, assim, poderem ser curados e, tal como ele, seguir Jesus em seu caminho de entrega em favor dos outros.

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