Espírito Santo: não sem o mundo

Espírito Santo: não sem o mundo

A pneumatologia, ou seja, o estudo acerca da pessoa do Espírito Santo é, na tradição cristã, uma temática antiga. Desde os primeiros séculos do cristianismo houve a preocupação de se falar a respeito desse Espírito, mostrando que ele é também uma pessoa da Trindade e, por isso mesmo, digno de ser glorificado e adorado juntamente com o Pai e o Filho. Essa formulação, embora hoje pareça algo trivial para toda pessoa cristã, demorou séculos até ser aceita e colocada como dogma. Para se ter uma ideia, é somente em 381 (d.e.c), no concílio de Calcedônia, que se afirma no cristianismo a divindade do Espírito, fruto de toda uma reflexão feita pelos pais da igreja e, principalmente, pelo trabalho de Basílio de Cesaréia.
A pessoa do Espírito, dentre todas as pessoas da Trindade, sem dúvida, é a que causa maior problema de explicitação, até mesmo devido à grande dificuldade de se falar a respeito de algo que não é material. O próprio texto bíblico, ao falar a respeito do Espírito, é recheado de imagens, tais como o vento, o fogo, o ar, a pomba, dentre tantas outras que são encontradas, o que revela a grande dificuldade de dizer sobre o que não pode ser visto.
Ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, ao longo do texto bíblico a ação do Espírito não se tratava de algo meramente no interior do ser humano. No Antigo Testamento, sua ação é narrada como a força de Deus que faz com que sua vontade seja cumprida, que anuncia por meio dos profetas aquilo que é a sua vontade, ou ainda, em período pós-exílico, como o responsável por dar a vida a uma nação que estava destruída. No Novo Testamento, por sua vez, ressalta-se o caráter pessoal desse Espírito que chora, que opera na vida de Jesus, que consola, que constrói a comunidade dos que creem, fazendo com que sejam um e sejam testemunhas de Jesus Cristo.
Assim, a partir da compreensão neotestamentária, a ação do Espírito se dá na vida dos que creem para que esses testemunhem a respeito de Jesus Cristo. Contrariamente a uma posição de cunho gnóstico, de que tudo que é relativo à carne é condenável e deve ser rejeitado, devendo a pessoa focar nas questões da alma e do espírito, a posição cristã dirá que a ação do Espírito de Deus é percebida na vida dos que têm um encontro com o Ressuscitado e transborda para o mundo, mostrando que o Deus cristão se importa com a humanidade e mostra sua bondade e graça para com ela.
Em tempos atuais, cresce-se uma visão do Espírito que beira mais às posturas gnósticas do que às cristãs. É comum perceber em movimentos católicos, protestantes ou evangélicos a ideia de que a ação do Espírito é somente individual e interior, como que um promotor de santidade para garantir que se está bem com Deus.
Essa privatização da fé, que pode ser percebida em diversas pessoas que buscam desenvolver uma espiritualidade que lhes façam bem, mesmo que sem nenhuma consequência ética, ou ainda naquelas que a tentam desenvolver para serem consideradas santas diante de Deus e, assim, livrarem-se de algum tipo de condenação eterna, muitas vezes se mostra como somente uma busca de um bem-estar interno ou religioso. Nesse sentido, essas experiências espirituais são somente mais um objeto de consumo a ser adquirido dentro de uma dinâmica capitalista.
A experiência do Espírito, no entanto, é sempre uma experiência que gera ação efetiva na sociedade, buscando a sua transformação, seguindo o exemplo de Jesus. Sendo o Espírito o mesmo que ressuscitou a Jesus dentre os mortos e o mesmo que guiou a vida de Jesus e suas obras, dando testemunho do amor de Deus para com a humanidade, então ser cheio desse Espírito, para o cristianismo, é ser revestido de poder para ser testemunha de Jesus. Em outras palavras, é lutar a mesma causa que Jesus lutou, voltando-se para as pessoas pobres, desprotegidas e marginalizadas da sociedade para lhes garantir o direito e a justiça; é buscar a transformação desse mundo, mostrando as nuances do Reino de Deus que há de vir.
Ser cheio do Espírito, então, não tem a ver com ascetismo que se recusa a tocar o que é mundano ou ter um fundo de investimento em santidade que permita sacá-lo quando se precisa. Muito pelo contrário, é se envolver com o mundo, se importar com ele, lutar pela sua transformação, visto ser esse o exemplo que vemos em Jesus.
Uma busca do Espírito que não se envolve com a realidade não passa de ideologia que visa certo tipo de superioridade cristã, o que em nada tem a ver com o Espírito gerador de vida e liberdade para todas as pessoas, conforme anunciado e prometido por Jesus.

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