Teologia e o trem da história
Uma das piores coisas que pode acontecer a uma teologia é esta perder o trem da história, passando a dizer coisas que não faz mais sentido para o tempo em que ela é feita. Esse fato, infelizmente, em muitos momentos se mostrou presente na história do cristianismo, no qual este se negou a trazer para o seu bojo de reflexão questões que eram importantes em determinado momento histórico por estar preso em dogmatismos e ancorado em uma versão de verdade absoluta.
Que ao longo do tempo sempre tenham surgido movimentos de cunho fundamentalista, que desejavam a todo custo voltar a uma “teologia pura”, na qual se tem as verdades bem definidas e imutáveis, criadas desde a eternidade, parece ser óbvio para qualquer pessoa que leia sobre a história do cristianismo, ou até mesmo de qualquer religião.
Esses movimentos, por sua vez, ainda hoje, em sua maioria visam manter o status quo, não estando dispostos a repensar seus pressupostos, mesmo que sejam esses os responsáveis por fustigar parcelas consideráveis da população. Quando isso acontece com o fazer teológico, ou seja, quando esse fazer é tomado por posturas dogmáticas e fundamentalistas, partindo do princípio de que a “verdade última” lhe foi dita por Deus e, portanto, é imutável, a própria teologia começa a ser vista como algo que não faz sentido. Ela, assim, serve somente para redizer normas e ordenanças que visam cercear a liberdade de todas as pessoas, porque está convicta de que o que diz é a vontade de Deus. Claramente, percebe-se que a categoria da imutabilidade divina é mal compreendida por esses movimentos, não se atentando ao fato de que o que o texto bíblico, principalmente João, mostra é que Deus é imutável em seu amor, o que nada tem a ver com imutabilidade dogmática.
Toda teologia, portanto, caso queira fazer sentido na sociedade em que está inserida, não pode ser pensada como possuidora da verdade última sobre as coisas, mas deve sempre assumir a postura de quem aprende e ouve para, a partir dessa escuta, poder propor respostas para as questões que determinada comunidade levanta.
Em tempos atuais, em que se crescem movimentos de cunhos fundamentalistas e retrógrados que tentam a todo custo fazer com que o cristianismo se torne fechado em si mesmo, surdo às questões de nosso tempo, é tarefa de teólogos e teólogas reafirmarem que toda teologia deve ser feita como resposta a determinada comunidade, sendo, portanto, também influenciada e feita a partir de um contexto social, cultural, político e econômico.
Em outras palavras, é necessário que se formem teólogos e teólogas que saibam ouvir a sociedade atual, que tenham humildade para se reconhecerem apenas como mais um/uma dentre os diversos colaboradores e colaboradoras já existentes em outras religiões na luta para um mundo em que haja justiça social, paz, fraternidade e sororidade entre as pessoas, o que implica também assumir o lugar de quem escuta antes de dar respostas, principalmente para não se propor respostas para questões que não foram perguntadas.
Somente uma teologia que observa a realidade ao seu redor é capaz de dizer algo que alcance os corações daquela realidade específica. Uma teologia que é somente dogmática, que já tem respostas prontas desde sempre, que não está disposta a repensar suas categorias e suas formas de explicá-las, tende a ser somente antro para pessoas reacionárias e com certezas de que alcançaram as respostas últimas para todas as coisas, exigindo que os grupos que não se adéquam a essa visão sejam exterminados ou convertidos àquilo que consideram tal verdade. No entanto, esse tipo de teologia se mostra perigoso e a história já nos mostrou isso, seja durante a Idade Média, seja durante o período dos sistemas totalitários. Ambos, no nível religioso, ancoravam-se nessas certezas de que determinada ação era a vontade de Deus para “limpar” o mundo do pecado em que se encontrava.
Com isso em mente, ser teólogo e teóloga hoje se torna uma tarefa não somente social, mas também intelectual. Sem repensarmos novas formas de fazer teologia de maneira que esta faça sentido para as pessoas que sofrem, bem como o faça àquelas que veem o mal que os fundamentalismos religiosos trazem consigo, ela, no Brasil, sempre ficará relegada ao ambiente eclesial, não tocando a realidade do mundo que está fora da igreja.
Somente uma teologia que escuta e observa pode ser uma teologia que toca a realidade em que é feita. Do contrário, não passa de ideologia utilizada por classes dominantes para manter as coisas como estão.