Será que a teologia que você prega é cristã?
A teologia nasce da experiência com Deus. Esse paradigma, aparentemente tão simples, tem um grande impacto muito grande sendo até mesmo um bom balizador para se saber até onde determinado discurso deve ser considerado teológico ou não. Dizer que a teologia nasce da experiência com Deus é, ao mesmo tempo, dizer que não é possível fazer elucubrações a respeito da vontade divina, definindo o que ele quer ou não quer com base somente em teorias e chamar isso de teologia.
Se tomarmos as narrativas evangélicas, bem como as diversas narrativas do Antigo Testamento, vemos sempre nelas uma leitura da realidade de Deus a partir da experiência do povo. Assim, é possível perceber diversas mudanças nas concepções de Deus dentro do próprio texto bíblico. Desde o Deus que era local e dono de determinada terra onde Israel habitava até o Deus criador de todo Universo que condenava o seu povo por sua desobediência às suas ordens, enviando-o para o exílio. Ambas as concepções nascem a partir das experiências que povo de Israel teve com esse mesmo Deus ao longo de sua história. Da mesma forma, o Novo Testamento traz uma concepção diferente daquela formulada no texto do Antigo Testamento. Deus agora se revela como o Pai de Jesus Cristo, de maneira que falar da pessoa de Deus é, ao mesmo tempo, falar de Cristo e de sua relação com aquele a quem chama de Pai.
Com isso, é possível perceber que a pergunta a respeito de quem é Deus também tem respostas diferentes ao longo da história. Se se perguntasse: “quem é Deus?” para o povo de Israel, provavelmente se receberia como resposta de que ele é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, que os tirou da terra do Egito e os conduziu à Canaã. Se se fizer a mesma pergunta para um cristão, a sua resposta será que Deus é o Pai de Jesus Cristo. Isso não quer dizer que não seja o mesmo Deus, ou que há um Deus do Antigo Testamento e um Deus no Novo Testamento, como queria Marcião e, até hoje, alguns ainda insistem nessa toada. O que se mostra é que a pessoa de Deus sempre foi definida, no texto bíblico, na história, nas diversas culturas, como resposta às experiências que esses povos fazem desse mesmo Deus. É somente a partir disso que é possível falar a respeito dele e fazer narrativas que mostrem como que ele se manifestou ao longo da história, de maneira que podemos falar quem ele é pelos suas ações efetivas no mundo.
Reconhecer isso é, consequentemente, ter a consciência de que toda teologia e toda fala a respeito de Deus não são eternas, mas necessariamente passam pelo contexto social, cultural e econômico de onde se fala e pela experiência que essas diversas culturas fazem a respeito de Deus.
Por sua vez, isso também nos alerta para que estejamos atentos aos diversos discursos que tentam fundamentar uma moral em alguma “verdade eterna”, descontextualizada do tempo e do espaço, justamente para tentar enquadrar todas as pessoas na imagem de um Deus que não toca a realidade humana em seus augúrios. Falar de Deus e de uma suposta vontade divina desconsiderando as realidades em que o povo vive, impondo fardos pesados sobre eles, destruindo suas almas não é fazer teologia. Muito pelo contrário, é pregar um viés ideológico que procura o poder.
Dessa forma, o fazer teológico atual, feito por teólogos e teólogas sérias, tem pensado as diversas experiências que os diversos grupos sociais fazem da pessoa de Deus. Interessa-nos, pois, as experiências que os povos ribeirinhos, indígenas, andinos, povos originários, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais, toda a comunidade LGBTQIA+ e tantos outros fazem de Deus para, a partir dessas experiências e do que esses diversos grupos tem a dizer a respeito delas, seja possível pensar novas formas de dizer o Evangelho de Jesus Cristo e, consequentemente, dentro de uma matriz cristã, poder também encontrar novas formas de dizer quem é Deus para os seguidores do caminho.
Por esse motivo que fazer teologia hoje é um desafio enorme.
Longe de ser uma tentativa de convencimento que parte de um discurso de uma verdade eterna a que todos e todas precisam se converter para alcançar a salvação da alma, fazer teologia cristã hoje é desafiante porque demanda um olhar atento para as realidades vividas no mundo para, a partir delas, propor um discurso sobre Deus que se coaduna com a vida e ensinamento de Jesus e, ao mesmo tempo, seja uma mensagem de boa nova que faça sentido para homens e mulheres de nosso tempo.