Para que todos sejam um

Para que todos sejam um

Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. João 17:21.
Esse clamor está situado em um dos momentos mais dramáticos da vida de Jesus. Sua agonia no Getsêmani antes de ser entregue às autoridades romanas para ser, posteriormente, torturado e crucificado como alguém que se levantava contra César.
Nesse clamor, por sua vez, encontra-se um dos cernes daquilo que, primeiramente, começou como movimento de Jesus, para depois ser chamado de seita dos nazarenos, até por fim, ser conhecida como a Igreja de Cristo. Tanto na pregação de Jesus, quanto nesse novo movimento que surgia, a questão da comunidade se mostrava como algo importante e até mesmo condição para que o mundo cresse no anúncio da boa nova.
A luta de todos e todas que tiveram um encontro com o Ressuscitado deveria ser pelo bem comum, pela unidade no vínculo da fé, pela igualdade de condições, de maneira que não faltassem os recursos aos necessitados. O livro de Atos, que conta o início da conhecida igreja de hoje, mostra bem essa característica, ao dizer que “eles tinham tudo em comum, vendiam suas propriedades e bens e dividiam o produto entre todos, de acordo com as necessidades” (At 2,44-45).
No entanto, como sabemos, essa ideia, ainda hoje considerada como subversiva, não vingou muito no Ocidente. Com o Cristianismo se tornando religião oficial do Império Romano, recebendo apoio em uma teologia crescente da época para a qual o aspecto comunitário vai sendo deixado de lado para uma busca de Deus a partir do interior humano, essa característica que se manifesta na oração de Jesus e nas primeiras comunidades cristãs foi se esvaziando de sentido para várias igrejas institucionais.
Com o advento da Modernidade, em que se manifesta um crescimento vertiginoso do individualismo, passando pelo Protestantismo, cujo mote da relação com Deus se dá pelo viés individual (Lutero, como bom agostiniano, não deixaria isso de lado), até os dias atuais, de capitalismo neoliberal, em que o que conta é a iniciativa individual de cada um, onde cada pessoa é a única responsável por seu sucesso ou seu insucesso no mundo, o senso de comunidade cristã se mostra em um crescente minguar, até chegar ao ponto de alguns dizerem que todo discurso que visa resgatar essa característica comunitária seja algo ideológico e não cristão.
Diante desse cenário, muito motivado por uma teologia que incorpora as características do neoliberalismo econômico e diz que cada indivíduo deve cuidar de si mesmo e de se manter fiel a Deus, sendo isso, no final das contas, o que importa para a vivência da fé, uma teologia cristã necessita resgatar o valor que a comunidade tem para o Cristianismo.
A teologia cristã deve ser necessariamente uma teologia que se preocupa com o social. Todo ensinamento contido no Novo Testamento converge para o ponto em que se mostra que não faz sentido dizer-se um amante de Deus se o seu próximo não é digno de consideração.
Da mesma forma, ressalta que não existe uma fé que se vive sozinha, somente na interioridade da busca de Deus.  Essa busca é sempre uma busca que se faz junto de uma comunidade. É a partir da relação amorosa com os outros que se mostra que a sociedade desejada por Deus segue na contramão de uma sociedade que somente se preocupa consigo mesma. A Trindade, um dos fundamentos da fé cristã, revela que Deus é, em si mesmo, pura relação, de maneira que pensar o Pai só é possível por causa do Filho e do Espírito, e assim também, cada pessoa da Trindade só pode ser pensada a partir das outras duas. Algo que, por si só, deveria fazer o Cristianismo repensar as diversas posturas individualistas que surgem em seu meio, e que em nada difere do sistema mundano em que a Igreja está situada.
Desconsiderar o caráter comunitário da fé cristã é não ter compreendido nada a respeito da pregação de Jesus. A preocupação social, a luta pela igualdade de condições e acesso das pessoas mais pobres aos mesmos privilégios não se trata de uma proposta “marxista e comunista do mundo”, antes, é vivência do amor de Deus, é o significado de ser Igreja que acredita que o mundo da forma que é não é o mundo desejado por Deus e, por saber disso, encara sua responsabilidade de ser arauto do amor; Igreja que, ao mesmo tempo, deseja que todos e todas sejam um, o que em outras palavras nada mais é do que dizer que todos e todas sejam tratados/as com igualdade, com as mesmas condições e com os mesmos acessos à lazer, comida, habitação, segurança, saúde etc.
Somente um Cristianismo que compreende que no Evangelho não existe felicidade individual independente do próximo pode se dizer cristão. Fora disso, esse cristianismo nada mais é do que um discurso ávido por poder e, por isso mesmo, distante de tudo que Jesus fez e ensinou.

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