Conservadorismo e falsa esperança

Conservadorismo e falsa esperança

Talvez uma das grandes falácias dos movimentos conservadores ao longo de toda sua história seja a de pressupor que, voltando ao ambiente onde todas as coisas já são pré-definidas e conservadas da “forma como deveria ser” se teria uma sociedade onde tudo funcionaria de forma correta e as distopias não teriam lugar ou, se surgissem, seriam facilmente combatidas e eliminadas. Uma vez que aquilo que deveria ser feito e o que deveria ser pregado seria afirmado e exigido de todas as pessoas, a sensação de um futuro sólido e garantido com base na vontade divina que assim o determinou daria a esperança de que tudo ficaria bem no final.
A força do conservadorismo, então, revela-se nessa falsa esperança que ele mesmo gera ao dizer que porque tudo está “como foi criado para ser” pode-se ter esperança de que tudo ficará bem e o progresso exigido por todas as pessoas chegará ao seu termo com o braço forte de quem comanda a sociedade.
Embora muitas pessoas que se dizem cristãs adiram a esse tipo de discurso, este segue na contramão daquilo que o texto bíblico fala a respeito da esperança. Esperança não tem a ver com conservadorismo, mas muito pelo contrário, pressupõe a saída do status quo toda vez que esse status se mostra como gerador de morte e não de vida na sociedade em que é implantado.
A esperança, pelo viés cristão e bíblico, não se trata de ver o mundo de maneira engessada e desconectado da realidade, mas tem a ver com a ação efetiva de transformação do mundo pelo reconhecimento de que a sociedade desejada por Deus não é a sociedade desigual, sem amor e que oprime como a que temos hoje em diversas partes do mundo.
É nesse ponto que a esperança bíblica e cristã difere radicalmente da esperança que propõe o conservadorismo. Enquanto a esperança proposta pelo conservadorismo pressupõe uma ordem correta das coisas para que a esperança de um futuro melhor surja quase como certeza, a esperança bíblica e cristã parte do pressuposto de que essa esperança é sempre um caminhar rumo ao horizonte, em luta contra os sistemas que geram morte, com fé de que aquele que faz a promessa de uma nova criação de todas as coisas é capaz de a cumprir, mesmo que não saibamos como isso será. Com isso em mente é possível perceber que a esperança pregada pelo conservadorismo não passa de uma falsa esperança, uma vez que, como diz Paulo em sua carta aos Romanos, “esperança que se vê não é esperança” (Rm 8,24).
Em um cenário em que cada vez mais se crescem as posições conservadoras na sociedade, relembrar o lugar da esperança bíblica e cristã se mostra como tarefa fundamental para um Cristianismo que deseja realmente ser uma voz que traga uma mensagem de boa nova àqueles e àquelas que são considerados/as como escórias da humanidade, afastados de Deus e rebeldes em um sistema cujo mote seja o conservadorismo.
Recuperar as verdades teologais da fé, esperança e amor, como expostas em 1 Coríntios 13, em seu viés bíblico e cristão, é lembrar que todas as três estão intimamente conectadas, de maneira que falar de uma dessas categorias é falar de todas elas. Assim, uma esperança que abre mão da fé não pode ser uma esperança cristã, uma fé que não pressupõe o amor pregado pelo Crucificado e Ressuscitado não pode ser considerada fé cristã, e um amor que não crê e espera não pode ser identificado com aquele da proposta de Jesus Cristo.
Contra uma falsa esperança que se baseia no cumprimento de supostas ordenanças dadas por Deus e encontradas em forma de textos, como pregado pela maioria dos movimentos conservadores, o texto bíblico mostra a radicalidade de uma esperança que, por não ter certeza de nada, confia que o mesmo Deus que se entrega é aquele que também ressuscita e que, por esse motivo, sua palavra pode ser considerada como garantidora do cumprimento da promessa dita por ele e, como consequência, esperança que gera vida e não morte.
Assim, no lugar da fé das certezas do conservadorismo, o texto bíblico propõe uma fé que salta no escuro em confiança Naquele que nos chama; no lugar da falsa esperança que se ancora numa fé de certezas que mantém o status quo, o texto bíblico mostra uma verdadeira esperança que segue em movimento de subversão e é motivo de luta contra os sistemas que geram morte na sociedade; no lugar do amor aos nossos, proposto por grande parte dos movimentos conservadores, o amor a todos e todas, revelado e manifestado no Crucificado que, como cremos, é também o Ressuscitado, motivo de nossa verdadeira esperança.

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