Manter a esperança em tempos sombrios

Manter a esperança em tempos sombrios

A esperança cristã, embora conhecida desde o início do movimento que nasce após a ressurreição de Cristo, por muito tempo foi deixada de lado por teólogos e teólogas. Pode-se dizer que havia quase um consenso a respeito dessa temática, reduzindo-a somente a uma categoria que se cumpriria na segunda vinda de Cristo.
Dessa forma, cabia àqueles e àquelas que foram salvos/as esperar pacientemente por este evento, aceitando as diversas situações que aconteciam no mundo como parte de um sistema que estava corrompido pelo pecado e, por este motivo, também com os dias contados.
Nesse contexto, a esperança cristã estava relacionada somente com a espera da segunda vinda de Cristo, de maneira que ser uma pessoa esperançosa resumia, quase, à certa resignação diante de uma realidade que nada se podia fazer para alterá-la, a não ser fazer a pregação do Evangelho de Jesus para salvação dos que não criam, engrossando, assim, as fileiras dos esperançosos da segunda vinda.
No século XX, fruto tanto dos trabalhos de Albert Schweitzer de certo redescobrimento da escatologia cristã, como de toda uma teologia que precisava lidar com duas guerras mundiais, é que o tema da esperança surge com força no meio teológico. Afinal, que resposta dar a todo um movimento filosófico e teológico de certo progresso histórico que tendia a seu fim com a plena realização humana e a realização do Reino de Deus e vê tudo isso indo por água abaixo nos horrorosos eventos da I e II Guerra, bem como as atrocidades efetuadas pelo Nazismo e Stalinismo?
Aqui, percebe-se a grande máxima de que toda teologia nasce a partir de perguntas e situações que demandam respostas na sociedade. Uma teologia somente especulativa, desconectada do mundo em que está dificilmente tocará a realidade, trazendo mudanças.
Um dos maiores autores a trabalhar a temática da esperança foi Jürgen Moltmann, teólogo reformado, nascido na Alemanha e que também participou da II Guerra como um dos soldados alemães, até ser preso em North Camp, na Inglaterra, local onde ocorreu seu encontro com o Ressuscitado.
Em seu pensamento, a esperança nunca deve ser vista como algo meramente passivo. A ideia que expusemos mais acima no texto em nada tem a ver com aquilo que deve ser compreendido, à luz do texto bíblico, como esperança cristã. Esta esperança não é passiva, antes, ativa e, por ser assim, demanda de toda pessoa que a promulga, um posicionamento ativo dentro da sociedade em que está. Uma vez que, de acordo com a fé cristã, Jesus foi ressuscitado dentre os mortos, essa ressurreição não deve ser entendida somente como evento milagroso da parte de Deus, antes, deve também ser compreendida em sua profundidade de mensagem. Na ressurreição está a afirmação de Deus de que a morte não tem mais a última palavra e a nova vida, a ser revelada na nova criação de todas as coisas, já se faz presente no aqui e no agora, justamente devido à ressurreição daquele que foi crucificado. Essa nova vida, inaugurada a partir da ressurreição não é, portanto, somente algo a se concretizar na glória, no fim de todas as coisas, como comumente ainda é pensado por muitos/as cristãos/ãs.
Muito pelo contrário, a esperança cristã precisa ser uma esperança ativa. Por reconhecer que a nova vida em Cristo já é uma realidade e perceber que este mundo em que vivemos não é como deveria ser, a esperança cristã de que haverá novos céus e nova terra onde habita a justiça, deve fazer com que lutemos contra as estruturas de morte e de desesperança que se fazem presente no hoje da existência humana. Neste sentido, a esperança deixa de ser somente uma espera, e torna-se espera com confiança, de que a morte não tem a última palavra na humanidade.
Longe de propor que o Reino de Deus é fruto do esforço humano, a esperança cristã, entendida corretamente, mostra-se como fundamento da ação em prol da justiça, da equidade e do amor. É a esperança no Reino que há de vir que motiva o comportamento ativo na sociedade, o que pode ser percebido na própria vida de Jesus conforme narrado nos Evangelhos.
Na situação atual em que vivemos, principalmente no Brasil, com o avanço de discursos de ódio e discursos fascistas nestas eleições, a esperança cristã não deve ser relegada a um pós-vida, como se não tivesse nada a ver com as situações da vida cotidiana. Muito pelo contrário, ela deve se tornar fundamento para a luta contra estes discursos e contra as situações que geram morte, justamente por perceber que não é esta a sociedade querida por Deus, de acordo com a fé cristã.
O momento atual demanda de todos e todas que seguem os caminhos de Jesus Cristo uma verdadeira esperança; aquela que ao mesmo tempo confia, espera e luta, com a fé de que, porque o Ressuscitado vive, a morte não tem e não terá a última palavra. Assim, esperançosos, todo cristão e toda cristã é chamando/a a continuar promulgando o amor, lutando pelas causas dos desfavorecidos, pelos direitos das minorias, colocando-se do lado do pobre e do miserável, por reconhecer que é ao lado deles que Jesus se colocou.
Esperança, genuinamente cristã, sempre luta em prol dos valores do Reino de Deus, contra a violência, contra a discriminação e contra as estruturas de morte na sociedade. Todo discurso e todo ato que vai contra esta luta, dessa forma, não pode ser considerado cristão.

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