Se Deus é amor, então dialoga.
Uma das novas características que Jesus revela a respeito do relacionamento com Deus é de que ele é pai e, mais ainda, que ele é um pai amoroso. Aqui, cabe uma ressalva. Uma vez que a narrativa bíblica dos Evangelhos foi escrita por uma sociedade em que a dominação masculina se fazia presente, bem como todo o judaísmo do primeiro século ainda trazia marca do seu machismo, é comum para o autor da narrativa mencionar Deus como figura masculina e, consequentemente, como Pai. No entanto, Deus não possui gênero. Assim, é mais correto dizer a respeito de Deus que é Pai/Mãe, sendo essa a conotação que trazemos neste texto.
Até então, no judaísmo do tempo de Jesus, era impensável que o Senhor todo poderoso pudesse ser chamado de tal forma. Embora em dias atuais já esteja banalizado o fato de se chamar Deus de Pai (chamar Deus de mãe ainda é, para alguns, um sacrilégio), chamá-lo assim traz grandes consequências para a maneira como devemos ver o relacionamento com Deus, e nos instiga a questionar sobre quais as implicações que isso tem dentro da sociedade em que vivemos.
Em um primeiro momento, se a relação que se estabelece no Cristianismo é de que somos filhos/as de Deus, então precisamos pensar que tipo de relação filial é essa. Diante de um/a Deus/a amoroso/a que, como afirma I João, é o que define o/a Deus/a cristão/ã, não podemos pensar que se trata de uma relação meramente dominadora, onde um diz e o outro tem que fazer, porque do contrário receberá alguma punição. Isso não parece combinar muito com a imagem de um/a Deus/a que ama e que ouve o clamor daqueles/as que o buscam. A liberdade é própria do amor, de maneira que onde aquela não se encontra, torna-se pouco provável que este também esteja. Nesse sentido, a relação com o/a Deus/a cristão/ã deve se dar sempre em liberdade porque também deve se dar em amor. Qualquer coisa que vai contra isso não pode ser considerada ancorada no exemplo e na relação de Jesus Cristo para com Deus.
Ora, se pensar em um/a Deus/a que é Pai/Mãe implica pensar em um relacionamento que é aberto para o outro e livre, então nos leva a pensar que esse relacionamento tem o seu aspecto dialógico. O próprio texto bíblico, ao falar a respeito da relação de Deus com seu povo no Antigo Testamento, mostra o seu chamado para o diálogo: “Vinde e arrazoemos, diz o Senhor” relata o profeta Isaías em seu primeiro capítulo, mostrando que essa abertura para ouvir já se fazia, de alguma forma, presente na imagem de Deus construída no tempo da profecia em Israel. Em Jesus, porém, vemos a exacerbação desse caráter de abertura e, consequentemente, dialogal, que faz parte do próprio ser de Deus.
Dessa forma, falar a respeito da paternidade/maternidade de Deus tem a ver em pensá-lo/a como aquele/a que tem na abertura ao diálogo uma de suas principais características. Se olharmos mais a fundo, até mesmo a própria relação trinitária, conforme desenvolvido no Cristianismo posterior, traz em si o seu caráter dialogal como algo fundamental.
Diante da sociedade atual, em que cada vez mais pessoas não estão dispostas a ouvir posições que divergem das suas e se armam para se tornarem proselitistas profissionais, cabe ressaltar essa característica do/a Deus/a cristão/ã para se repensar a forma de viver no mundo de hoje.
Entender Deus como Pai/Mãe amoroso/a precisa nos fazer, enquanto cristãos/ãs, repensar nossa abertura para dialogar com aqueles/as que pensam diferente de nós nos diversos assuntos do mundo contemporâneo. Sem isso, prega-se somente a imagem de um Soberano que quer dominar tudo e todos, o que está muito longe da imagem trazida por Jesus de um/a Deus/a que é Pai/Mãe, que ama e quer se relacionar em liberdade com sua criação.