Uma metáfora: dois usos distintos

Uma metáfora: dois usos distintos

O tema da Trindade, na história do Cristianismo, sempre foi de difícil explicação para com os que não eram cristãos e de difícil assimilação por parte de vários que já o eram. Essa característica, longe de ser determinante, somente sinaliza que essa temática nunca foi uma questão simples e, até hoje, para muitas pessoas até mesmo cristãs, ainda não é de fácil compreensão.
Diversas foram as imagens usadas na tentativa de explicar como se daria a ação trinitára e como que, ao mesmo tempo, esse Deus não deveria ser visto como três deuses, antes, como somente um. As metáforas, tais como as duas mãos do Pai de Irineu, sempre se mostraram como ótimos artifícios para se tentar explicar aquilo que, muitas vezes, as palavras não dão conta. Contudo, uma vez que toda metáfora pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal, é interessante sempre se estar atento/a para não cair em erros que poderiam, de alguma forma, comprometer a mensagem cristã.
Um bom exemplo pode ser dado tomando a própria metáfora de Irineu, das duas mãos do Pai. Esta ainda é muito utilizada quando se deseja falar a respeito do diálogo inter-religioso pelo viés pneumatológico, considerando que uma mão é a do Filho, enquanto a outra é a do Espírito. Irineu tinha em mente que a Trindade poderia ser representada pelo Pai que tinha duas mãos e agia com ambas na história; em termos modernos, podemos pensar que, tal como um pianista quando toca o piano, a metáfora de Irineu nos remete a essa vontade única de ação que nunca é desvencilhada uma da outra; assim como o pianista que ao tocar com suas duas mãos não faz com que a mão direita faça algo que não se harmonize com o que a esquerda faz, assim também seria a ação trinitária, de maneira que onde um está em ação os outros dois também estão.
No entanto, várias propostas de diálogo inter-religioso pelo viés pneumatológico, tomando a metáfora de Irineu, tiveram o intuito de separar a ação do Filho da ação do Espírito, como se esses fossem independentes um do outro em suas ações. De certa forma, sai a ideia do pianista e entra a imagem de uma pessoa que espera um ônibus e enquanto mantém uma mão dentro do bolso, com a outra faz o sinal solicitando a parada do veículo no ponto. Em termos teológicos, seria como se enquanto o Espírito estivesse agindo, o Filho não estaria fazendo nada. Esse uso da metáfora, embora pareça resolver a questão do diálogo inter-religioso pelo viés pneumatológico, negocia uma das principais doutrinas da fé cristã que é, justamente, a fé trinitária de que ali onde um age todos os outros também agem.
Somente com esse pequeno exemplo da questão trinitária, é possível levantar três questões fundamentais com as quais o Cristianismo atual, que deve ser aberto ao diálogo, deve lidar de maneira séria: a primeira é com relação a manter-se fiel à sua identidade, sem negociar aquilo que o cerne da sua fé afirma; a segunda é dizer essa mesma fé dentro de um contexto contemporâneo, de maneira que faça sentido a homens e mulheres de nosso tempo; a terceira é realmente fazer um diálogo com as questões da contemporaneidade e das outras religiões, mantendo os dois primeiros pontos.
Transitar nessa interseção, sem dúvida, não é algo fácil, mas é algo para o qual teólogos e teólogas atuais devem estar atentos, caso queiram continuar o fazer teológico de uma maneira realmente cristã, a saber, aberta ao diálogo com o diferente, firme em sua fé e disposto a redizê-la diariamente.

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