Como pensar a ressurreição em perspectiva inter-religiosa?: um diálogo entre um budista e um cristão.

Como pensar a ressurreição em perspectiva inter-religiosa?: um diálogo entre um budista e um cristão.

Ao pensarmos a ressurreição dentro de uma perspectiva cristã são duas as considerações mais correntes: uma de cunho mais fundamentalista, que em muito se adequa às posições das religiões abraâmicas, como o islã e o judaísmo, como uma de cunho mais contemporâneo, que visa tentar dizer como a ressurreição deve ser entendida com as categorias de nosso tempo, fazendo sentido para o mundo de hoje. Se já se torna complicado tentar entender essa temática dentro de uma perspectiva ecumênica, imagine tentar compreender a ressurreição em sua perspectiva inter-religiosa, em tentativa de diálogo com as religiões que não tem a mesma fé que o Cristianismo?
A nosso ver, uma perspectiva meramente fundamentalista não dá conta de tal intento. Uma vez que nessa postura parte-se da fé cristã como exclusiva e única digna de crédito, bem como aquela que possui a verdade última das coisas, tal perspectiva não dá conta de entrar nas singularidades das diversas experiências religiosas que a pluralidade religiosa traz em seu bojo.
Diante disso, acreditamos ser necessário abordar a ressurreição em perspectiva contemporânea para, por meio disso, tentar abrir o leque para entender como é possível ver as mesmas categorias daquilo que o Cristianismo atual entende por ressurreição em outras religiões que não tem a mesma base que ele. No texto, tomamos a religião budista como exemplo, tendo como base um diálogo entre mim e um grande amigo dessa religião.
É sabido pelos cristãos que, no Cristianismo atual, a ressurreição não deve ser vista somente com um momento de revivificação da carne. Muito além disso, ela deve ser entendida como a nova vida que se abre a partir do encontro com o Ressuscitado, o que pode ser confirmado com os textos de Romanos 6 ou de Efésios 2. Em ambos os textos, a ressurreição não se trata de algo que acontecerá no além, antes, como algo que deve ser vivido e experimentado no hoje, baseada na esperança que temos da nova criação de todas as coisas. Dessa forma, é no aqui e agora que já experimentamos a ressurreição que terá sua plenitude quando da criação dos novos céus e nova terra em que habita a justiça. A fé na ressurreição e na esperança do cumprimento da promessa de Deus se mostra, então, como nossa motivação para a luta contra a injustiça e em favor dos oprimidos dessa terra. Nesse sentido, a ressurreição se mostra não somente como esperança, mas também como efetividade.
No caso do Budismo, esse não possui a compreensão de ressurreição nos moldes cristãos. Assim como tantas outras religiões orientais, este se direciona, grosso modo, pela ideia de reencarnação, em que uma nova vida é dada à pessoa para que ela, no processo de evolução, possa ascender e alcançar o Nirvana. Morte e vida fazem parte desse processo (Samsara), sendo o alcançar do Nirvana a saída da Samsara. Essa nova vida é, então, encarada como possibilidade para crescimento e amadurecimento que deve ser, então, assumido com compromisso para que se torne efetiva na vida do budista. Esta nova vida, por sua vez se manifesta ao se tomar consciência do seu mundo, da sua realidade em relação ao próximo, e da necessidade de combater a ignorância, que é o verdadeiro pecado no Budismo. Ao fazer isso, o budista começa a ter a perspectiva de vivenciar esta nova vida que lhe foi proporcionada como oportunidade para crescimento, ainda que ele não esteja ciente disso. Nesse sentido, a nova vida budista é algo que se vive no presente, na esperança de que nesse processo de autoconhecimento e desprendimento do conceito de posse e do apego a si mesmo, seja possível chegar ao fim do sofrimento e à própria redenção. Embora as diferenças sejam perceptíveis entre as duas religiões, em ambas os temas de uma nova vida e da esperança se fazem presentes. Enquanto no Cristianismo a esperança é motivadora para intervenções efetivas no mundo, no Budismo a esperança do cessar do sofrimento se manifesta como motivação para esse autoconhecimento e desprendimento de todo sentimento de posse em relação ao mundo. Em ambas, percebe-se certa visão altruísta de maneira bem marcante.
Da mesma forma, o tema da nova vida também está presente em ambas. Enquanto no Budismo essa nova vida é vista como nova oportunidade para crescimento e autoconhecimento, no Cristianismo é vista como fruto de uma experiência de transformação que parte de um encontro com uma pessoa que nos interpela a também crescermos e nos tornarmos pessoas melhores.
Não seria o ensinamento de desprendimento de posse tão pregado no Budismo algo que o Cristianismo atual precisaria aprender, a fim de abrir mão de seu discurso exclusivista e ser capaz de pregar a nova vida que se manifesta a partir de Cristo, conforme entendida pela Ressurreição? Por outro lado, não estaria na perspectiva do encontro, tão cara ao Cristianismo, uma proposta ao Budismo para se repensar seu constante foco na busca do autoconhecimento que, muitas vezes, pode afastá-lo da vida comunitária?
Essa pequena abordagem acerca da ressurreição em perspectiva inter-religiosa nos faz perceber que algumas semelhanças podem ser encontradas se estivermos dispostos a uma atitude dialogal para com as outras religiões, ainda que as diferenças também permaneçam. Ela também nos mostra que podemos aprender e depurar nossa própria visão a respeito de conceitos sobre os quais comumente falamos nos nossos diversos círculos religiosos, se nos colocamos em uma postura de ouvir àqueles/as que pensam diferentes de nós.

Diante disso, fica a pergunta: estaríamos nós, enquanto cristãos/ãs dispostos/as ao diálogo honesto com quem pensa diferente de nós?

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