Há valor nas outras religiões?
Quase sempre que se discute a respeito de diálogo inter-religioso no meio cristão, seja ele acadêmico, seja ele na vida cotidiana, há uma tendência muito forte em se perguntar somente a respeito do como se dá a salvação fora do Cristianismo. Em raras às vezes se pergunta a respeito do que a outra religião tem de valor considerando ela mesma e o ambiente em que está inserida.
Nesse tipo de atitude comum entre os cristãos, o que parece estar em jogo é certa pretensão de domínio que se tem sobre as portas da salvação, como se fôssemos os porteiros/as pelos/as quais todas as pessoas do mundo terão que passar, sendo nossa responsabilidade fazer a verificação do crachá de identificação para permitir o acesso.
Juntamente com isso, a meu ver, esconde-se também a velha e tão comum visão do Deus contabilista, desprovido de toda graça e que somente contabiliza atos bons e ruins, a partir da confissão da fé cristã. Ou seja, nesse tipo de pensamento, o primeiro critério utilizado por Deus é verificar se a pessoa é cristã ou não. Se ela for, então se começa a fazer a contabilização dos atos para se determinar qual será o destino eterno dela. Em caso de não ser cristão/ã, esse computar nem entra em jogo, uma vez que já se falhou na condição sine qua non para a entrada naquilo que Deus preparou para aqueles/as que o amam.
Ao fazermos isso, porém, destituímos de toda graça a proposta trazida por Jesus e anunciada pelos Evangelhos, de que o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido e anunciar vida ali onde reinava as trevas. Ao colocarmos condicionais para a salvação e efetivação da graça de Deus, que, conforme cremos, revela-se por meio de Jesus Cristo, na verdade mostramos que não entendemos nada da proposta do Reino.
A salvação ser pela graça, como nos diz a carta aos Efésios, deveria nos colocar, enquanto cristãos, em uma posição humilde de reconhecer que não somos nós ou nossas doutrinas que determinam quem serão as pessoas salvas. Em outras palavras, a graça nos mostra que nesse plano multiforme em que ela se apresenta, a salvação é concedida não pelo que fazemos ou pregamos, mas tão somente pela gratuidade do amor do Pai.
Diante disso, ao nos propormos a um diálogo inter-religioso, nossa motivação não deveria ser somente se perguntar a respeito do como se dá salvação (entendida pelo Cristianismo) nessas outras religiões, mas também tentar entender como que essas mesmas religiões, em suas categorias, compreendem a salvação da humanidade e os outros assuntos concernentes às suas próprias visões de mundo. Em outras palavras, encarar as outras religiões em suas próprias especificidades na disposição de tentar compreender como que elas entendem o grande mistério do Universo e da humanidade.
Ao fazermos isso de maneira honesta e aberta é possível tanto depurar o próprio Cristianismo como também ajudar a depurar a religião com a qual nos propomos dialogar, de maneira que haja um crescimento mútuo e maior engajamento na luta pela promoção do bem na Terra. Com isso, não se propõe uma religião universal, em que todos creiam a mesma coisa, antes, que se reconheça a pluralidade e especificidade de cada religião em sua compreensão acerca do divino.
Abrir-se ao outro e sair de si é próprio do amor, conforme entendido pelo Cristianismo. Por que não fazer isso, também, quanto a esse outro que não pertence à mesma religião que nós?