Uma esperança desesperançada
No texto da semana passada questionamos a respeito da ênfase na salvação da alma que se é dada dentro do movimento evangélico. Nosso questionamento era se uma visão individualizada de salvação podia ser realmente considerada como sendo a proposta cristã revelada em Jesus Cristo e nos escritos proféticos do Antigo Testamento.
Outro aspecto, porém, que necessita ser considerado quando se olha essa herança individualista iniciada no Protestantismo e que chega até hoje nas diversas igrejas cristãs do país é aquela que diz respeito à questão da esperança. Dentro de uma dinâmica do pensamento individualista, e dentro do contexto em que o país vive atualmente, é comum perceber no movimento cristão, seja católico, seja protestante, uma esperança desesperançada.
O que se quer dizer com isso? Não dificilmente, nas diversas rodas de amigos e nas conversas de trabalho, se ouve a máxima de que o importante é fazer a sua parte, garantir o sustento da sua casa e da sua família, ao invés de entrar nesses embates coletivos que “não mudam nada” na vida da nação. Quanto às outras coisas que não se consegue realizar, deve-se orar para que Deus possa intervir na situação da maneira que Ele quiser, seja nas coisas que não se consegue individualmente, seja para aquelas de caráter coletivo.
Diante disso, é interessante perceber que, nesse contexto, se revela duas questões: a primeira, a perspectiva individualista da fé cristã, e a segunda, uma esperança passiva que beira à desesperança.
Com relação à primeira, essa faz parte da própria estrutura de uma sociedade marcada por uma economia de capital, que se inicia na Idade Média no século XIII, sendo a individualização do sucesso pregada como mantra de gerações a gerações. Nesse sentido, o Cristianismo atual é tanto fruto desse processo como também um de seus colaboradores.
Com relação à segunda, essa talvez seja a mais sutil. Ao se colocar, nesse contexto, que aquilo que não se consegue realizar se deve deixar para Deus agir e aliado ao caráter individualista de um pensamento de salvação da qual falamos no texto passado, o que se tem é um discurso de uma esperança passiva, ou seja, o pensamento de que Deus, quando Ele quiser, intervirá na história à sua maneira e, por ser soberano, toda e qualquer ação da humanidade não fará diferença nenhuma para o Seu agir. Se observarmos essa esperança passiva, não é difícil perceber que sua parceira mais próxima é, justamente, a desesperança.
Dessa forma, aquilo que se mostrava como uma fala de esperança: “Eu coloco na mão de Deus para ele agir”, no plano social e efetivo da humanidade se revela como uma fala de desesperança, ou seja: “Não acredito que a sociedade possa mudar nada do que está acontecendo hoje”.
Nesse contexto, em meio cristão, podemos dizer que a esperança passiva se mostra como desesperança social e o engajamento para as campanhas de evangelização que partem disso visam mais a salvação das almas individualmente perdidas do que a transformação da sociedade onde se quer que esse evangelho chegue.
Diante disso, é necessário que o Cristianismo recupere a esperança bíblica que mostra que ao mesmo tempo em que se crê que Deus é aquele que intervém na história para o cumprimento de suas promessas, também faz com que, ancorados na ressurreição que já aconteceu na pessoa de Jesus Cristo, nos engajemos na luta por um mundo melhor, socialmente justo e livre de opressão.