O que há entre a Trindade e o diálogo inter-religioso?
Desde muito cedo o Cristianismo desenvolveu o conceito de Trindade para falar sobre Deus. Embora falar a respeito Dele em forma ternária fosse algo bastante conhecido no Judaísmo, bastando para isso lembrar do “Deus de Abraão, Isaque e Jacó” que aparece constantemente no Pentateuco e nos Profetas, é com o Cristianismo que essa categorização ternária recebe um statusontológico. Ainda que a palavra Trindade não apareça em nenhum momento na Bíblia, os Evangelistas, bem como Paulo e os demais autores perceberam que Deus, através de Jesus e do Espírito, deveria ser entendido como trinitário. As narrativas do Evangelho mostram isso muito claramente no evento do Batismo de Jesus no Jordão, onde há o Filho que é batizado, o Espírito que desce e a voz que fala. Trata-se de um único acontecimento em que Deus se manifesta como trino. Assim, desde os primeiros cristãos, está clara a ideia de que onde está o Pai, está o Filho e o Espírito. Consequentemente, onde está um estão todos. Dessa forma, desvencilhar a ação do Filho da ação do Pai ou a ação do Espírito da ação do Filho, ou a do Espírito da ação do Pai mostra-se como algo que não faz jus àquilo que o Cristianismo entende a respeito de Deus. Disso se percebe que, para os cristãos, Deus não deve ser visto como sujeito absoluto e isolado em si mesmo que reina sobre a Terra com seu cetro de ferro, antes, como comunidade de amor que, desde o princípio cria e se relaciona, não porque tenha necessidade disso, mas porque o movimento de criar e o de sair-de-si é próprio do amor. Se Deus se revela como Trindade, que é comunhão de amor, então se revela como Deus de liberdade, pois todo amor a pressupõe e se torna impensável a idéia de um amor que não torna livre aquele a quem ele se dirige.
Não foi sempre que o Cristianismo compreendeu todas as implicações de entender Deus como Trindade. Ao longo de sua história, embora teologicamente houvesse consolidado o conceito trinitário, era a imagem do Deus Absoluto e isolado em suas vontades que determinava a forma como o Cristianismo deveria se portar na sociedade. A Igreja, por sua vez, considerava-se como absoluta e detentora da verdade e, consequentemente, rechaçava todas as vozes que lhe eram contrárias. Esse tipo de atitude, infelizmente, ainda é possível perceber em tantos movimentos evangélicos e católicos espalhados pelo país e pelo mundo o que leva a questionar se aqueles que se dizem cristãos, agindo dessa forma, realmente entenderam as consquências de um Deus trinitário.
Mas, o que a compreensão de Deus como Trindade implica para o diálogo inter-religioso?
Em primeiro lugar, em nível teológico, serve como forte critério para discernir se uma proposta de diálogo inter-religioso é cristã ou não. Assim, toda proposta que parta de algum movimento cristão e deixa de lado a Trindade já deve ser vista com grande ressalva por parte da comunidade teológica.
Em segundo, no nível daquilo que já definimos anteriormente como diálogo inter-religioso indireto, o Cristianismo que entende que seu Deus é uma comunidade de amor deve procurar estabelecer, a partir da perspectiva amorosa, a comunhão com as outras religiões, buscando com isso unir forças na luta contra as mazelas que afligem a sociedade, tais como a fome, a pobreza, a violência, bem como contra as estruturas malignas que geram esses males nos pequeninos, tais como o capitalismo neo-liberal e os regimes totalitários cerceadores da liberdade.
Dessa forma, um Cristianismo preocupado como o diálogo inter-religioso não deve ver o conceito de Deus enquanto Trindade como somente algo terminológico a ser defendido com unhas e dentes, mas deve fazer desse entendimento seu padrão, tanto para o diálogo com as outras religiões, como para sua ação na sociedade atual em que está inserido.