Crise do amor
Temos vivido uma crise do amor.
Pode parecer estranha essa frase, contudo se repararmos nos relacionamentos que vemos hoje em dia, veremos que não é tão estranha assim.
Vivemos em um mundo do “descartável” e essa dinâmica tem afetado, consideravelmente, os relacionamentos atuais. Esses tem se mostrado, cada dia, mais voláteis em nosso meio. Não é estranho ouvirmos que a pessoa não satisfaz mais a outra, não é mais a mesma pessoa que era antes e, por esse motivo, não vale a pena continuar um relacionamento, e por aí vai. Hoje em dia, encerram-se relacionamentos por muito menos que há algumas décadas e isso nos faz pensar até que ponto a dinâmica capitalista não se apoderou de nós.
Percebemos que essa dinâmica consumidor-mercadoria passou para os relacionamentos. Há muita oferta, promoções, facilidade na troca. Se não gostamos, ou algo não nos agrada mais, basta trocarmos, pois há muita oferta no mercado e muita produção de mercadoria. Talvez, estamos a viver uma banalização dos relacionamentos, influenciados, em grande parte, pela cultura trazida pelo sistema capitalista.
Não digo com isso que devemos manter em um relacionamento que nos faz infeliz e nos faz ser pior do que éramos, nem que não devemos buscar pessoas que tenham valores que consideramos essenciais para estar conosco. Chamo a atenção para o fato das pessoas serem vistas como objetos, passíveis de troca, negociação, etc, fruto de uma dinâmica do capital.
Esse amor a que me refiro e afirmo que está em crise não é aquele das frases: “eu te amo”, “não consigo viver sem você”, etc. Esse tipo de amor vai muito bem, obrigado. Basta olhar nas redes sociais, youtube, etc que se verão n declarações de amor desse gênero.
Refiro-me à disposição em ver o outro como diferente de mim, com seus defeitos, problemas mal resolvidos, qualidades diferentes das minhas, crescimento diferente do meu, reconhecendo que aquilo que faz a pessoa ser quem ela é são, justamente, essas coisas, bem como que eu também possuo todas essas questões mal resolvidas, qualidades, etc, mas de forma diferente daquela pessoa que está comigo.
Talvez esta crise ocorra, pois, perceber que o outro é diferente de mim, faz com que olhemos para nós mesmos e reconheçamos que não somos tão bons como achávamos que éramos, nem tão imprescindíveis como supomos que fôssemos, nem tão necessário como queríamos crer que éramos. E isso não é um sentimento muito agradável para a maioria de nós, uma vez que nossa cultura nos diz que temos que ser os melhores, os mais inteligentes, os mais requisitados e tantos outros mais que fomos criados para ser.
Ver o outro como outro diferente de mim pode ser uma das coisas mais difíceis em um relacionamento, pois implica em lidar com o diferente e estamos em um mundo no qual a pregação vigente é o de procurar os iguais. Se não compartilha da mesma ideia que eu basta excluir da rede de amigos, tapar meu ouvido à sua voz, tentar impedir de continuar a caminhada individual por achar que leva a um caminho que eu não concorde, e por aí vai. Essa dificuldade com o diferente não é somente de hoje. Basta lembrarmos a fala de João em Lucas 9:49 e veremos que isso já foi relatado antes: “Mestre, vimos um homem expulsando demônios em teu nome e procuramos impedi-lo, porque ele não era um dos nossos. “ Jesus porém responde que aquele que não era contra eles, era a favor deles e pede para que não impeça o homem de continuar a fazer o que estava fazendo. Jesus reconhece que a causa é mais importante que o como, o que sem dúvida daria para falar muito sobre isso, mas não é o intuito desse texto.
Essa disposição, a meu ver, é o primeiro passo para algo duradouro em um mundo de relacionamentos voláteis.
Tendo isso em mente, convenço-me, a cada dia, que amar alguém passa mais por essa disposição às frases e declarações amorosas. Claro que as declarações e atitudes falam algo e são necessárias, contudo sabemos que palavras sem ações não ajudam muito, bem como atitudes sem palavras tendem a não ser entendidas.
Essa crise de amor perpassa todos os ramos da vida e não somente os relacionamentos românticos. Percebemos isso no amor ao trabalho, no amor à família, no amor aos animais, aos bens que possuímos, etc, etc, etc.
Talvez estejamos vivendo aquilo que foi escrito no Evangelho de Mateus: “e por se multiplicar a iniquidade o amor de muitos se esfriará”.
Vigiemos para que não estejamos no “muitos”, mas que sejamos contados entre os “poucos” restantes.
Fabrício Veliq
05.09.13 – 7:22