Ninguém pode servir a dois senhores
Já faz um tempo que penso sobre a relação entre Deus e o dinheiro.
Acho interessante que a única vez que Jesus fala a respeito de servir a dois senhores ele não fale entre satanás e Deus, antes cita que não se pode servir a Deus e ao dinheiro, pois amando um, com certeza se despreza o outro.
Penso que esse texto tem muito a nos falar nos tempos de hoje. Em tempos de capitalismo feroz, em que pessoas são tratadas, na maioria das vezes e dos lugares, de acordo com aquilo que se tem e não daquilo que se é, a fala de Jesus se mostra bastante pertinente.
Acredito que o que está em jogo é a própria dinâmica do processo e, a meu ver, a diferença entre a visão divina e a visão do dinheiro, embora notória, é negligenciada e, às vezes propositalmente, esquecida por vários.
Comecemos pela visão divina. É interessante perceber que Jesus foi um homem simples. Os relatos dos evangelistas nos mostram isso, como um homem sem ostentação. Há alguns que o considera como um judeu cínico, todavia não acredito que possa ser levado dessa forma. Os evangelhos só nos mostram uma pessoa sem muitos luxos e que estava junto aos pobres.
A vida de Jesus se caracteriza pelo total desprendimento de si e em ser totalmente voltada para o próximo. Em termos teológicos podemos colocar, como Ratzinger diria, Jesus como um homem totalmente “em prol de” e “aberto para” o outro e para Deus. Nesse sentido Jesus se revela como total doação de si e desprendimento com relação a tudo que tem e que possui em prol do próximo que vem até ele. Sem reservas, se aproxima e deixa-se aproximar, mostrando o que é o amor de verdade, ou seja, total entrega àquele que se faz meu próximo durante a caminhada.
Contrariamente a isso, a visão capitalista do amor ao dinheiro visa ao acúmulo de capitais. Quanto mais se tem mais se quer ter e maior o medo de perder aquilo que se conquistou. Dessa forma, doar aos outros, na maioria das vezes, precisa vir acompanhado de alguma dedução de pagamento posterior ou recompensa, seja imposto de renda, seja um lugar no colo de Abraão, seja em uma mansão celestial, ou qualquer coisa que, de alguma forma, gere algum tipo de retorno seja ele psicológico ou material.
Total desprendimento daquilo que se tem em prol de um outro não costuma ser bem visto para aquele cujo dinheiro é seu maior valor. O que não tem, na maioria das vezes, é visto por esse como aquele que não trabalhou, que não batalhou para seu lugar no sol, que não se esforçou o bastante e tantas outras justificativas que encontramos hoje para a existência dos menos favorecidos.
Não digo que o ideal de vida seja se tornar um asceta, bem como o texto não fala ser errado possuir muito ou pouco dinheiro. Com certeza também sabemos que a quantidade de dinheiro não é sinônimo de felicidade em nossa sociedade. O ideal seria que amássemos ao próximo e a Deus sendo ricos ou sendo pobres.
No entanto, a reflexão não tem o intuito de indicar se se é feliz mais rico ou mais pobre. Por pensar nessa grande dicotomia é que vemos desde frases que “todo pobre é vagabundo” e “dinheiro não traz felicidade, antes manda buscar”.
Contudo, vejo como importante perceber que na medida em que mais convivemos com alguém que amamos, mais nos afeiçoamos a essa pessoa e mais dela absorvemos e mais dela queremos ter conosco. Ora, se é assim com relação às pessoas e animais, não corre o risco de ser da mesma forma com Deus e com o dinheiro?
Assim, a meu ver, a diferença se mostra bem evidente: o amor a Deus gera em nós o total desprendimento de nós mesmos em direção ao próximo que vem até nós, nos fazendo revelar a face de Deus aos homens, enquanto o amor ao dinheiro nos leva ao afastamento do próximo, uma vez que esse é visto como um usurpador daquilo que consegui como meu esforço e não posso simplesmente entregar a um outro
O processo se mostra então como vias que levam a caminhos totalmente opostos e acredito que Jesus tenha percebido isso.
Pensemos
Fabrício Veliq
21.10.2014 – 16:44