Aquela senhora do metrô
Era um daqueles dias calmos de começo de inverno. Um clima pouco frio, mas fazia com que tivéssemos que sair com algum agasalho para proteger do vento. Assim, pegou seu casaco e se dirigiu até a estação de metrô para, novamente, pegá-lo e seguir rumo ao seu trabalho. Tudo andava normalmente: as mesmas pessoas, a estação cheia, o ir e vir de vários em suas correrias. Nada novo até então.
Ao entrar no estação, milagrosamente havia um lugar vago próximo à entrada da estação por onde havia entrado e, extremamente satisfeito, tomou assento e esperava de forma tranquila, acreditando que seria um dia com outro qualquer. Passado pouco tempo, a pessoa que estava ao seu lado esperando o metrô se levantou para atender o telefone e uma senhora de meia idade sentou ao seu lado. Embora quisesse disfarçar que estava dormindo para não correr o risco de conversar, algo no olhar daquela senhora o chamava a atenção. Deixou para lá e continuou olhando, ora para o celular, ora para o metrô cheio, ora para o nada.
Foi numa dessas olhadas para seu entorno que a senhora começou seu assunto:
Está indo trabalhar?
Sim
Gosta do seu trabalho?
Não muito
E por que permanece nele se não gosta dele?
Porque preciso pagar as contas, e conseguir outro emprego não é muito fácil.
Entendi. Mas o que gostaria de fazer se pudesse fazer qualquer coisa?
Bom, essa pergunta é muito estranha. Acho que já estou tão acostumado com minha rotina que preciso de um tempo para poder pensar. Mas, acho que responderia, que me dedicaria à tocar e cantar.
Que interessante. Sabe, quando era mais jovem também vivi esse dilema. Ao terminar meu curso universitário, que fiz por pressão dos meus pais, decidi ganhar dinheiro para me sustentar e pagar as contas, igual ao que você me falou. Fiz isso durante certo tempo. Assim como você, não gostava daquilo que fazia. Achava que estava perdendo meu tempo e que a vida era muito curta para que ficasse fazendo algo que não me realizava. Percebendo isso, decidi rumar àquilo que queria. Meu sonho era praticar esportes radicais. Me encantava assistir aos X Games. Até cheguei, durante o período da faculdade, a ensaiar algumas manobras com algumas amigas que também se interessavam por essas modalidades. Elas falavam que eu tinha habilidade e que se desenvolvesse poderia me dar muito bem. Contudo, como me sentia na obrigação de terminar o curso e formar, deixei isso de lado para entrar nessa vida de trabalho, contas e etc que lhe falei. Até que um dia, por não aguentar mais viver da forma que vivia até então, resolvi mudar drasticamente e tentar fazer aquilo que eu gostava. Não digo que a decisão foi fácil. Abrir mão da segurança do meu emprego foi difícil, os primeiros torneios que decidi participar também não foram dos melhores; a dificuldade de encontrar patrocínio para poder participar das competições, diversas vezes, me fez repensar se era realmente isso que eu queria fazer. Constantemente pensava que não daria tempo, que já estava velha demais para entrar no ramo e tantas outras questões me vinham à mente. Contudo, algo dentro em mim falava para continuar tentando. Eu me sentia realizada ao fazer aquilo. Mesmo com todas as frustrações, com alguns perrengues que passava, havia em mim uma felicidade tão grande de poder me dedicar àquilo que queria fazer e isso me motivava.
Mas, como fez para sobreviver? Afinal, viver gasta dinheiro. Havia alguém bancando você?
Claro que não. No início foi complicado, como lhe falei. De início, consegui um emprego temporário com horários flexíveis. Era para fazer pequenos atendimentos advocatícios. Como o horário me favorecia, após o trabalho na parte da manhã, podia ir treinar aquilo que gostava. Esse emprego me ajudou muito a fazer algumas economias e a me inscrever em alguns torneios. Somente com o dinheiro que veio desse emprego que pude participar de um torneio e ser vista por um desses olheiros que procuram novos talentos. A partir daí, pude largar de vez a advocacia e me dedicar exclusivamente àquilo que escolhi fazer. Após praticar por vários anos e ganhar alguns torneios, resolvi parar para cuidar de outros assuntos. Contudo, em mim havia a alegira de ter podido realizar um sonho. Mesmo que não tenha me tornado a melhor naquilo que fazia, sabia que tinha sido a melhor que poderia ser. E, lembrar disso, me faz sentir feliz.
Nossa, que interessante. Que bom que deu certo para você. Nem todos tem essa sorte de conseguir realizar os sonhos
Sabe, percebi que muitos nem sequer tentam. Ficam tão sugados pela vida, pelos afazeres e responsabilidades impostos pela sociedade, pela família, pela igreja, pelos relacionamentos amorosos, etc que se esquecem de si e do que realmente desejam, de maneira que passam a desejar aquilo que se tem. Outros, por medo do imprevisto, de se lançar nesse mar de incertezas que é a vida e que é lutar por um sonho, acabam também não tentando. Preferem a segurança à dúvida e, não dificilmente, chegam no final da vida arrependidos pelas coisas que não tentaram e que não fizeram quando tinham a oportunidade de fazê-lo.
Agora me lembrei: no armário da casa da minha mãe havia uma frase que dizia: “nunca desista dos seus sonhos. Quem tem um grande sonho é maior do que aqueles que possui todos os fatos”. Acho que agora consigo vislumbrar melhor o que essa frase quer dizer.
Exatamente. Viver sem sonho é morrer. Sonhar sem viver é desesperador.
Bem colocado. O metrô chegou. Tenho que ir agora. Foi ótimo encontrar com você e ouvir sua história.
Eu esperarei um pouco mais. Estou aguardando uma pessoa querida.
Tudo bem. Até qualquer dia.
Até.
Fabrício Veliq
04.05.2016 – 17:00
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