Um bolo solado
Um dos maiores problemas ao se tentar estabelecer um diálogo com o outro é o de garantir que todos os envolvidos estejam trabalhando com a mesma terminologia. Não é necessário ir muito longe para perceber, na vida cotidiana, as diversas oportunidades de diálogos que surgiram e que foram, subitamente, transformadas em discussões sem fim e, em alguns casos, até mesmo violentas, simplesmente porque aquilo que a primeira pessoa entendia por um termo não coincidia com o que a outra pensava sobre ele.
Ao mesmo tempo em que parece ser uma questão extremamente simples, definir a terminologia que se está usando também exige uma disposição enorme por parte dos envolvidos, podendo ser um dos pontos basilares onde se pode observar se ali há um desejo para o diálogo ou não. Isso porque se trata da parte “chata” do processo, da mesma forma que fazer a calda de açúcar para um pudim, ou sovar a massa do pão durante 30 minutos para deixá-lo mais “fofinho”.
Aqueles que estão acostumados com processos em cozinha sabem que, muitas vezes, para se ter um bom prato, a parte chata do processo é aquela que exige maior cuidado e maior atenção, porque dela depende todo o resto e, consequentemente, o resultado. Falhando-se na parte “que ninguém quer fazer”, por mais bonito que esteja o prato, o gosto ficará totalmente comprometido e poderá causar reações não muito agradável nos convidados.
Ao trazer essa analogia para a questão do diálogo, a parte “chata” do processo é justamente aquela na qual se define a terminologia a ser usada. É nela que está a parte complicada, delicada e trabalhosa, bem como é nela em que se encontra a base para o resultado do diálogo proposto.
Não há como dialogar se as bases terminológicas não estão claramente postas. Fazer isso seria como preparar a massa do bolo, colocar no forno e abri-lo antes de trinta minutos. Se você já fez um bolo, sabe que o resultado não será dos mais agradáveis. O bolo irá assar, mas ficará solado e não satisfará nem a quem fez o bolo, nem àqueles que irão degusta-lo.
Disso se pode perceber que se acertar a respeito do que cada um entende a respeito de determinado termo a fim de se tentar chegar a uma base comum no qual o diálogo possa acontecer é o fundamento e, até mesmo, a condição de possibilidade para que haja o diálogo proposto.
No diálogo inter-religioso a questão da terminologia se torna matéria ainda mais delicada. Uma vez que se parte de antropologias diferentes, visões de cosmos e de natureza diferentes, e conceitos de deus diferentes, definir o que se entende pelos termos a serem trabalhados e discutidos é tarefa basilar que não pode ser deixada para depois, mas antes, deve ser a primeira coisa a se fazer. Assim, por exemplo, ao se propor um diálogo a respeito do tema da justificação com outra religião é fundamental saber o que esse termo significa dentro dela, se é que existe para ela esse conceito. Sem isso, o que se terá, caso se insista em falar sobre justificação com essa religião para a qual o termo não faz o menor sentido, é simplesmente um bolo solado.
Fazer um diálogo partindo dessa premissa, ao longo da história do Cristianismo, não foi uma tarefa fácil, sendo ainda hoje uma falha constante nos diversos seguimentos cristãos.
Nas narrativas dos Evangelhos, são diversas as vezes em que Jesus toma a iniciativa e pergunta: “e, tu, como interpretas?”. Tomar o exemplo de Cristo a sério implica, para o Cristianismo que se diz Seu seguidor, estar em constante tentativa de compreensão a respeito da maneira com que o outro interpreta o mundo para poder dialogar com ele o que, indubitavelmente, tocará também a questão terminológica.