Onde está o monstro que nos tornamos?
O Cristianismo nasce da experiência e do testemunho dos primeiros discípulos a respeito da pessoa de Jesus Cristo. Comparado à população que havia no Império Romano nesse período, esse movimento poderia ser considerado, realmente, insignificante. Longe do que muitos possam pensar o Cristianismo, em seu início, não era algo com o qual o Império Romano se preocupava tanto, afinal, era comum se levantar um e outro judeu clamando ser o Messias e levando alguns a se rebelarem contra as atrocidades do Império. Claramente, isso não impedia que houvesse algumas perseguições contra esse grupo minoritário, afinal, este se insurgia contra as normas das lideranças religiosas judaicas em um ambiente judeu. Os relatos de Paulo a respeito dessas primeiras perseguições deixam muito claro esse aspecto com o qual o Cristianismo conviveu e, em certos lugares, ainda convive.
Com o passar do tempo, as perseguições aos cristãos aumentam consideravelmente. Agora, se trata de um grupo de pessoas que se recusa a participar dos cultos pagãos instituídos pelo imperador e se recusa a adorá-lo por crerem que agradar a Deus é mais importante do que agradar a homens.
Diante disso, era esperável que a pregação cristã se levantasse contra todo tipo de opressão e contra todo tipo perseguição, o que realmente acontece se tomarmos os escritos do Apocalipse, carta que fala do fim da perseguição e opressão contra os servos de Jesus Cristo.
Com a conversão de Constantino ao Cristianismo, esse deixa de ser uma religião minoritária e passa a ser a religião do Império. De pequeno se torna grande e de insignificante passa a ser a instituição mais poderosa da Idade Média no Ocidente, de maneira que pensar de forma cristã era a única forma permitida de se pensar nesse período.
Com todo o poder que possuía, o Cristianismo começa a fazer aquilo contra o qual lutou desde sua origem, ou seja, começa a perseguir e oprimir a todos que não seguiam suas leis e normas de conduta. Ancorado na crença de que representava o poder de Deus sobre a face da Terra, se via, então, na qualidade daquela que deveria legislar sobre a vida e a morte dos que estavam sobre seu domínio. Qualquer olhar atento perceberá que, nesse ponto, não se difere em nada dos imperadores que também se consideravam filhos dos deuses e, em alguns casos, como deuses sobre a Terra.
Com esse pano de fundo é possível perceber que, ao longo de sua história, o Cristianismo, em muitos casos, se transformou naquilo que combatia, ou seja, se transformou no monstro contra o qual lutava.
Transformar-se no monstro contra o qual se luta, ao contrário do que parece, é algo extremamente comum, seja pessoalmente, seja institucionalmente. Isso porque, na tentativa vencê-lo, passa-se a tentar ver o mundo como esse o vê na expectativa de entender sua forma de agir para, calculando seus movimentos, derrotá-lo de uma maneira mais fácil. Mas, ao conseguir enxergar o mundo como esse monstro, ao passar a pensar como ele e a agir como ele para derrotá-lo não implica em ter-se tornado como ele, somente com outra justificativa e outro propósito?
Infelizmente, em muitas situações, o Cristianismo atual se mostra como o monstro que combate. Ao perseguir as minorias acusando-as de pecado, ao tentar impor “leis cristãs” que penalizam àqueles que não pensam de forma semelhante, ao usar o seu poder social para marginalizar religiões e as persegui-las, crendo que se está fazendo uma guerra santa, nisso se mostra monstruoso e totalmente desvirtuado daquilo com o qual o Cristianismo começou: a graça e o amor incondicionais de Deus revelados em Jesus Cristo em favor dos que estavam marginalizados em todos os aspectos sociais e religiosos.
As monstruosidades, em suas diversas categorias, ainda existem e, nesse sentido se tornam um chamado à humildade para o Cristianismo que deve, dia a dia, procurá-las, reconhecê-las e tentar vencê-las para, assim, se mostrar como representante do amor de Deus que chama a todos à comunhão com Ele.