Um Cristianismo perseguido e perseguidor
O Cristianismo, na atualidade, é uma das religiões mais perseguidas no mundo. É grande a perseguição que sofrem os cristãos no Oriente Médio, diversos países da África e em países como a China e Coreia do Norte, como mostra o site da missão Portas Abertas, uma instituição sem fins lucrativos que auxilia cristãos perseguidos ao redor do mundo por meio de envio de Bíblias, auxílio financeiro, suporte emocional e sustentação na fé para que esses cristãos possam permanecer firmes frente às diversas tribulações que passam diariamente.
Com o grande noticiar que se fez desse tipo de perseguição, principalmente nas décadas de 90 e 2000, foi possível observar um crescimento tanto no envio de missionários para essas regiões, quanto na ajuda financeira dada para instituições que se preocupam com essas vidas que tem morrido diariamente nesses países, ajudando-as a promover esperança para diversas pessoas que, muitas vezes, não vêem mais saída diante do caos iminente.
Ao mesmo tempo, porém, fez crescer entre diversos cristãos a ideia de que o Cristianismo no Brasil também sofre perseguição, dada as críticas que as novelas, principalmente globais, fazem do Cristianismo. Assim, não são poucos os que consideram que o movimento cristão brasileiro tem sido perseguido pela grande mídia, que quer impor sua agenda na sociedade e que justifica essa perseguição mostrando que os cristãos são os mais perseguidos ao redor do mundo e que isso era de se esperar, pois Jesus disse que seríamos perseguidos por sua causa.
Diante disso, dois pontos merecem ser considerados. O primeiro trata de uma questão de análise honesta de realidade, uma vez que colocar uma perseguição em que a própria vida e a de seus familiares são ameaçadas de morte diariamente no mesmo nível de uma suposta perseguição televisiva e ideológica se mostra desmesurada. Essa suposta perseguição televisiva, que pode até mesmo existir, em nada se compara com a perseguição que sofrem os cristãos nos países em que o Cristianismo não é aceito. Ao mesmo tempo, é preciso estar atento, pois, sob o discurso de perseguição, se esconde, muitas vezes, a falta de disposição que diversos seguimentos cristãos têm em ouvir as diversas críticas, muitas vezes reais, que as diversas artes fazem ao Cristianismo como todo.
Um segundo ponto pode ser percebido quando nesse discurso de perseguição está manifesta a tentativa do Cristianismo em viver no seu próprio mundo, fechado dentro de si sem se preocupar com a opinião dos de fora, e vendo toda e qualquer crítica como perseguição ideológica que merece ser combatida. Uma das consequências desse tipo de postura pode ser percebida nos diversos seguimentos cristãos que tornaram perseguidores das diversas religiões existentes no país, principalmente as de origens africanas, como mostram os eventos que aconteceram recentemente, em que “traficantes cristãos” obrigaram a destruição de um centro de Umbanda no Rio de Janeiro, ou eventos mais antigos como o convite de um pastor de jovens para atacar uma festa de Candomblé em 2015.
Com isso, esses movimentos transformam o Cristianismo que deveria, seguindo Àquele a quem chamam de Mestre, ser perseguido por causa da denúncia de que as obras do sistema mundano são más (Jo 7,7) em perseguidor das religiões que não pensam de igual forma que ele, em nada se diferenciando dos movimentos extremistas que tanto condenam em seus discursos.
Ser perseguido por causa do Evangelho tem a ver com o seguimento de Jesus Cristo, em sua luta em favor dos marginalizados e excluídos da sociedade, na luta contra a injustiça que segrega e discrimina pessoas por sua religião, cor, orientação sexual etc. Se for esse o motivo da perseguição ao Cristianismo, então ele estará no caminho certo. Do contrário, será somente mais uma religião que, começando com princípios nobres, ao longo da sua história, se seduziu pelo poder, tentando, a partir daí “salvar o mundo” por meio do proselitismo e, em nome da fé, causando a morte e o sofrimento de diversas pessoas inocentes.