A arte de se tornar desnecessário: um desafio para a teologia
São inúmeros os desafios em se fazer teologia na atualidade. Desde a responder as perguntas feitas pela sociedade contemporânea até propor uma maneira de se pensar novas formas de dizer o fato cristão de uma maneira que faça sentido para o nosso tempo. Dentre esses diversos desafios, talvez um dos mais importantes e, muitas vezes, negligenciado, se trata da arte de se tornar desnecessário.
Pode parecer estranho dizer que o intuito do/a teológo/a deva ser o de se tornar desnecessário para a comunidade na qual está inserido/a, mas, na verdade, esse deveria ser o objetivo de todo seu ministério junto ao povo.
Uma vez que um dos papeis da teologia é fazer com que o povo seja autônomo, pense e caminhe por si mesmo sem o auxílio de tutores/as acompanhando-o constantemente, pensar a função do/a teólogo/a como aquele/a que precisa não ser mais necessário na comunidade se torna um pensamento importante.
Por que esse tipo de ideia gera tanto desconforto na maioria das pessoas? Provavelmente, porque somos humanos e somos acostumados/as e até incentivados/as a ser necessários/as para as pessoas com as quais convivemos. Todos nós queremos ser ditos como especiais, e pessoas sem as quais “a coisa não anda”. De alguma forma, sentir-se necessário dá sentido à nossa vida e à nossa estadia no mundo.
Mesmo que isso seja um desejo forte, é necessário que o/a teólogo/a contemporâneo/a tenha em mente que o trabalho junto ao povo deve visar sempre sua autonomia e sua capacidade de decidir por si próprio quais os rumos tomar. Nesse sentido, são como filhos/as que devem ser incentivados/as a amadurecerem e serem capazes de tomar suas próprias decisões com responsabilidade e compromisso, ancorados na fé e caminho ensinados.
Como todo pai e toda mãe deseja que seus filhos e suas filhas sejam sujeitos autônomos, que não dependam deles para tudo que intentam fazer, assim também, o bom líder e a boa líder visa fazer com que o povo que lidera desenvolva a habilidade do caminhar na fé pelo próprio conhecimento. Dessa forma, à medida que o povo cresce no conhecimento e aprende a fé, o/a teólogo/a vai se tornando cada vez mais marginal, cada vez mais desnecessário/a, sendo sua total desnecessidade o ponto máximo de que seu ensino e sua estadia em determinado lugar foi cumprido com êxito. Um povo que sempre depende de tutores é um povo que ainda não desenvolveu uma fé madura, capaz de responder às questões propostas pela sociedade, nem questionar sobre as estruturas de morte que se levanta contra os mais pobres.
Nesse cenário, a arte de se tornar desnecessário deve ser algo visto com bons olhos por todo/a aquele/a que ensina e que tem o intuito de trabalhar com o povo em todas as suas instâncias. Somente ao nos tornarmos desnecessários/as é possível dizer que aquilo que ensinamos sobre a fé alcançou um porto de onde se pode continuar a viagem sem nós. Fazer isso é compreender o amor ao povo e compreender que nascemos para servir e ajudar ao nosso próximo a ser o melhor que ele pode ser. Se assim o for, nossa passagem por uma comunidade terá valido a pena e uma teologia consistente terá também uma grande possibilidade de seguir em frente, destruindo as estruturas de poder e reafirmando o compromisso de ser serva de todos e todas.