Francisco sob o olhar de um teólogo Protestante
Ao longo da história do movimento de Reforma que se iniciou com as propostas de John Wycliff (1328-1384), passando por Jan Hus (1369-1415), e culminando com as 95 teses de Lutero pregadas no castelo de Wittenberg, na Alemanha, em 1547, a relação com a Igreja Católica e, consequentemente, com os diversos papas, foi sempre um ponto de disputa e contestação para o Protestantismo durante muitos séculos. Foi somente por volta do século XIX e XX que a necessidade de união foi fortemente percebida, fruto do processo de evangelização dos povos da África e Ásia. Afinal, como era possível pregar o amor de Cristo e sua proposta de comunhão, uma vez que entre os próprios cristãos havia diversas rixas e anátemas?
Diante desse novo cenário, a proposta de diálogo ecumênico começa a engatinhar dentro do movimento cristão, tendo, por sua vez, no Concílio Vaticano II, seu reconhecimento por parte do Catolicismo como movimento cujo autor era o próprio Espírito Santo.
Ainda que os embates ainda continuem e diversas questões de cunho doutrinal e litúrgico ainda tenham que ser conversadas e resolvidas, é inegável o grande avanço que houve, neste século, para a questão desse diálogo que tão bem faz ao Cristianismo.
É nessa esteira que podemos situar os esforços do papa Francisco de se pensar um Cristianismo que se volta não para meras questões doutrinais formais, mas para uma Igreja que se pensa em saída, que vai à direção dos marginalizados deste mundo, por ver neles, o rosto do Crucificado.
Com esse movimento liderado pelo papa Francisco e suas diversas iniciativas de estabelecimento de diálogo com as Igrejas Ortodoxas, bem como com algumas igrejas da Reforma (Luterana e Anglicana) é possível perceber seu esforço na busca da unidade cristã, tendo as ações concretas como primazia, ao invés das questões doutrinais, que muitas vezes serviem para segregação e exclusão.
Isso, contudo, não quer dizer que essas questões doutrinais não sejam postas. As velhas questões como Filioque junto aos Ortodoxos, ou a comunhão de mesa para com os Protestantes, ainda não foram resolvidas e, talvez, ainda leve algum tempo para isso. Todavia, nas atitudes de Francisco, essas questões não se colocam como empecilho para a busca da unidade, mas como questões secundárias que, em seu ambiente próprio, devem ser discutidas.
Nesse sentido, do ponto de vista de um teólogo protestante, Francisco tem buscado efetivar a proposta de Jesus Cristo, que é a de se importar com os pobres, os marginalizados e os excluídos; de ser contra as estruturas de morte que se revelam no capitalismo predatório e no neoliberalismo que visa o acúmulo de riqueza e o aumento da segregação entre ricos e pobres, com a criação de castas baseada em posses.
Em sua luta, contudo, tem sofrido resistência por parte dos poderosos dentro do próprio catolicismo e do movimento reacionário cristão que desejam manter seus privilégios, vendo na distribuição de renda e na igualdade entre todos uma ameaça, por, na maioria das vezes, considerarem-se mais dignos dos bens dessa terra do que outros.
Com tudo isso, Francisco se mostra como papa que propaga a mensagem de Jesus, de que a salvação vem pela graça de Deus a todos e todas que o buscam com coração sincero, gerando ao mesmo tempo uma esperança de uma nova criação de todas as coisas que, por sua vez, gera a luta contra as estruturas de morte tão abundantes na sociedade vigente, ou seja, gera uma igreja em saída, que leva as boas novas de que a morte não tem mais a última palavra, porque por meio do Ressuscitado a própria morte foi destruída.
Temos assim, um papa que protesta contra o sistema atual. E isso é muito bom.