A cruz: de maldição à símbolo da nova vida
Nesta semana, no calendário cristão do ocidente, comemora-se a Semana Santa, um rememorar da morte de Jesus, o acusado e condenado pelo Império Romano após ter sido entregue pelos líderes religiosos de seu tempo como resposta a toda subversividade que esse judeu do primeiro século causou, ressignificando a própria Torá e abrindo as portas para uma nova leitura acerca daquele espetáculo tão cruel e tão comum no Império, a saber, a morte na cruz.
Num primeiro momento, o choro e a tristeza se mostram como marca registrada da crucificação. Os discípulos e discípulas que o acompanhavam durante tanto tempo, veem-se diante de um suposto fim de caminhada. Mesmo que tivessem ouvido que ele ressuscitaria posteriormente, os evangelhos mesmos deixam claro que isso não era compreendido por esses discípulos e discípulas. O próprio medo que tiveram depois da morte de Jesus mostra que sua esperança na ressurreição não estava, assim, tão firme. Mais adiante na história cristã, Paulo, refletindo sobre a questão da cruz, à luz da ressurreição, em sua carta aos Gálatas (Gl 3,13), diz que aquele que foi morto se fez maldição por nós, uma vez que, de acordo com a lei, seria “maldito todo aquele que fosse pendurado no madeiro” (cf. Dt 21,23).
Contudo, ler a cruz à luz da ressurreição, ao invés de trazer a tristeza e a desesperança, trouxe para os cristãos e cristãs, já no primeiro século, uma nova visão. A cruz não representaria mais somente a morte de um justo, mas também, o símbolo máximo do amor de Deus, que se entrega sem ressalvas para que a humanidade possa ter vida. O símbolo da maldição torna-se ressignificado como símbolo da salvação. Ali se mostra o amor verdadeiro que “dá a vida pelos seus amigos”, ao mesmo tempo em que chama o próprio cristianismo que se diz seguidor de Jesus à responsabilidade para com toda pessoa que sofre.
A cruz, no cristianismo, passa a se compreendida como lugar de entrega e lugar em que se compreende o que vem a ser o dogma da encarnação. Como já dissemos em outros textos, encarnar-se é sempre assumir a carne do outro, suas dores, angústias, anseios, a fim de mostrar, por meio da abertura ao próximo, que Deus ainda se importa com a humanidade.
Dessa forma, a cruz pode ser vista como corolário da própria encarnação. Na cruz, mostra-se que somente um Deus que pode sofrer é um Deus que também pode amar, uma vez que todo amor é também sofrimento em prol daquela pessoa ou causa a que se ama. A cruz, assim, mostra-se no cristianismo como sinal de amor doador que gera a vida. Na cruz, esse evento trinitário por excelência, Pai, Filho e Espírito se fazem presente de maneira como são, ou seja, em amor que está disposto a se entregar para que a plenitude da vida possa se fazer presente àqueles e àquelas a quem ama.
Ao mesmo tempo, essa cruz também se mostra como imperativo cristão, na medida em que implica comprometimento com as pessoas que sofrem nesse mundo, uma vez que Jesus na cruz é o representante de todo ser humano. Ele morreu por mim e por todos e todas que estavam condenadas em seus pecados. A cruz, assim, representa a entrada do santo no profano, de maneira que toda a criação deve ser considerada lugar da presença do próprio Deus. A entrega em favor de todo o cosmos é a entrega em favor de cada integrante desse cosmos: a criação, as pessoas, os animais e todo ser vivente.
Essa é a ressignificação feita pelo cristianismo. No lugar da maldição, benção; no lugar da morte, a distribuição da vida; no lugar em que se condenava, o rosto do amor perfeito que se abre em direção a tudo que existe.
Celebrar a Semana Santa é, então, rememorar e ressignificar dia a dia esse evento, vivê-lo em cada passo e em cada atitude, a fim de mostrar que a morte não tem mais a última palavra sobre o cosmos. Antes, a vida que brota da cruz se mostra como vida abundante desejada a todos e todas.