Consequências de se pensar uma teologia política
Hoje em dia parece crescer um movimento que tenta, de toda forma, desvencilhar a questão teológica da questão política. Ironicamente, mas nem tanto assim, com pretensões, justamente, políticas.
Durante muito tempo, como sabemos, o cristianismo foi o responsável pelo estabelecimento das leis e da forma de se portar na sociedade, exercendo o poder total sobre o Ocidente. Desde as normativas sobre como o culto deveria proceder até o empossar de reis e imperadores, tudo passava pelo domínio da Igreja e essa era, sem dúvida, um agente político. Sob a égide de que o poder espiritual estava acima do poder mundano, papas reclamavam para si a autoridade máxima sobre a Terra como representantes divinos para exercimento do poder em nome de Deus. Ao mesmo tempo, lideravam exércitos, conquistavam territórios e destruíam cidades, tudo isso baseado em um discurso que se fundamentava nos dogmas e em textos bíblicos tirados de seus contextos.
Com o movimento da Reforma, ainda que tenha tido um questionar a respeito da autoridade papal e ter sido pregado o sacerdócio de todos os crentes como princípio, não precisou de muito tempo para que também os primeiros reformadores começassem a usar do discurso religioso para o exercimento do poder. Isso visava a destruição de quem lhes eram considerados inimigos, bastando para isso lembrar a perseguição cometida por Calvino contra aqueles e aquelas que eram contra o protestantismo em Genebra.
Nesses eventos, dentre tantos outros que poderiam ser citados, ressalta-se o uso político que é feito da teologia a fim de justificar ações e posturas que, muitas vezes, seguem na contramão dos ensinamentos de Cristo. Ancorados na premissa de que “o que é espiritual está acima do que é mundano”, reveste-se o discurso de uma aura de espiritualidade para, assim, convencer as pessoas de que determinada coisa é o que deve ser feito naquele momento.
Em dias atuais isso se mostra muito claro. São diversos líderes religiosos, pastores, pastoras, padres, bispos, cardeais, bem como líderes políticos que fazem uso de uma espiritualização do discurso para conseguir, por meio dele, garantir o exercimento do poder, usando versículos bíblicos em suas campanhas e propostas. Com esse tipo de discurso, por sua vez, tornam-se capazes de controlar as revoltas daqueles e daquelas que são esquecidos pelos seus governos por convencê-los de que caso eles se revoltem contra um governo que os oprimem estarão se levantado contra o “ungido do Senhor”.
Esse uso político do discurso religioso recebe seu amparo por meio de teólogos e teólogas que, entregando-se a um poder político, referendam posturas que são contrários ao exemplo de Jesus Cristo. Dessa forma, não é difícil ver alguém formado em teologia dizer que a exclusão proposta pelo capitalismo é fruto da vontade de Deus, ou que seja necessário que haja os ricos e pobres porque Deus abençoa a quem quer e traz a desgraça a quem deseja. Com isso, alimentam os discursos de exclusão justificados por governos que usam o texto bíblico para a pregação da intolerância, desigualdade social e manutenção da injustiça.
Diante disso, lembrar de que toda teologia é política, é imprescindível. Pensar em uma teologia somente espiritual, que trata das coisas espirituais, sem tocar a realidade, é tanto ingenuidade como, por parte de alguns que detém o conhecimento, mau caratismo que garante a manutenção do poder.
Ora, se toda teologia é política, algumas das perguntas que se deve fazer diante de toda proposta teológica que se diz cristã e seguidora do exemplo de Cristo são: onde, nessa teologia entra o direito dos pobres, marginalizados, injustiçados e sem dinheiro? Onde entra a questão ecológica, o direito da natureza como parte da criação de Deus? Como, nessa teologia, Deus pensa a desigualdade social latente na sociedade?
Se toda teologia é política, é importante que teólogos e teólogas comprometidas com a fé cristã estejam atentos aos discursos que são feitos nos dias atuais, a fim de mostrar como que eles se encaixam ou não no seguimento de Jesus Cristo.
Desvencilhar o espiritual do mundano nada mais é do que uma artimanha daqueles e daquelas que querem sujeitos dóceis a fim de poder dominar sobre eles. A teologia de Jesus Cristo implica engajamento e luta por justiça em favor dos marginalizados da sociedade. Toda teologia que diz o contrário disso não pode se dizer ancorada no ensinamento de Jesus.
Diante disso, qual tem sido a teologia que temos ouvido e praticado?