Senhor dos Exércitos ou Pai de todos e todas?
Toda pessoa que se diz cristã se perguntada sobre qual o princípio que norteou a vida de Cristo dirá que se trata de amar uns aos outros e de pregar o amor para um mundo melhor. Embora esse seja o discurso oficial, não é difícil encontrarmos nos diversos cânticos de movimentos evangélicos e católicos a ideia de um Deus belicoso, chefe dos exércitos e que guerreia contra os inimigos do povo dele trazendo a vitória. Em outras palavras, há um discurso oficial de “amor a todos e todas” ao mesmo tempo em que se serve ao Senhor dos Exércitos que destrói a todos os seus inimigos.
O fato mais curioso é que grande parte dessas pessoas não percebem a incoerência que os dois discursos trazem quando colocados na mesma frase. Imagine dizer que o Senhor dos Exércitos que destrói a todos quanto se mostram seus inimigos é o mesmo Pai de Jesus Cristo que ensinou que devemos amar esses mesmos inimigos? Faz algum sentido? Definitivamente, não. Ou se assume uma imagem de Deus enquanto senhor bélico e conflituoso, ou se assume a imagem de Deus enquanto Pai que faz seu sol nascer sobre justos e injustos, que ensina que se deve perdoar sempre e que é definido por João como amor.
A escolha precisa ser feita, uma vez que a forma como vemos Deus determina a forma como nos relacionamos com as pessoas e com o próprio mundo. Se Deus é o senhor da guerra, como era visto pela comunidade judaica que sempre vivia em guerra, que fazia parte de toda uma cultura que encarava a guerra entre as nações como a guerra entre os deuses dessas nações, então faz todo sentido pregar o ódio aos inimigos desse Deus e pregar a segregação, o nós contra eles, o povo escolhido contra os povos que não seguem os mesmos princípios que se consideram divinos etc. Da mesma forma, se a visão de Deus que se tem é de um Deus bélico, então a ação discriminatória com relação aos diversos grupos religiosos é uma consequência direta. Afinal, quem não segue os princípios do rei de toda terra deve, portanto, ser exterminado dela para que ela seja do Senhor dos Exércitos.
Se, contudo, assumimos a imagem de Deus trazida por Jesus e constantemente afirmada nos Evangelhos de que Deus é Pai e é amor, então todo discurso segregacionista perde o sentido, uma vez que o amor não discrimina; todo discurso belicoso também não encontra guarita, pois o amor não visa à guerra e nem ao ódio. Da mesma forma, os discursos de morte e o incentivo à matança se tornam totalmente despropositados, uma vez que é inconcebível pensar que um amor que gera a vida pregaria em seu bojo a morte.
Diante disso, questionar-se a respeito de qual imagem de Deus se tem carregado e promulgado se torna tarefa extremamente necessária. Principalmente hoje em que o governo atual do Brasil se esconde atrás de um discurso chamado cristão, enquanto prega um Deus bélico que não é o anunciado pelo cristianismo. De maneira semelhante, esconde-se atrás de um moralismo suportado por falsos profetas enquanto destrói a soberania nacional e entrega os pertences da nação ao capital estrangeiro, estrangulando os mais pobres. Em outras palavras, alia a imagem do Senhor dos Exércitos com a idolatria ao deus Mercado que deve ser saciado à custa da vida dos desfavorecidos e marginalizados.
O Deus revelado por Jesus Cristo, porém, não é esse. Antes, é aquele que se coloca do lado dos pobres, marginalizados e oprimidos a fim de que possam ter vida e ter seus direitos garantidos, exigindo de nós, que nos dizemos cristãos, que sigamos seus passos e nos posicionemos e lutemos em favor dos que sofrem.
O Pai que ama e requer que amemos segue na contramão do deus Mercado que prega o individualismo e o acúmulo de capitais para usufruto de uma parcela pequena da população. No lugar, propõe que aquele que colhe muito reparta com que colhe pouco para que haja justiça e igualdade entre todos e todas, uma vez que todos e todas são dignos de humanidade.
Falar de amor, ser cristão e anúncio de um Deus que é Pai e ao mesmo tempo agir de forma belicosa, fomentando a morte da natureza, de pobres, sem-terras, indígenas, negros e negras carregando o discurso do senhor dos exércitos é hipocrisia e prova de que, na verdade, nunca houve um encontro com o Ressuscitado que, por sinal, é o mesmo bandido que foi crucificado pelo império de seu tempo, a pedido dos líderes religiosos daquela época.