Oração em perspectiva ecumênica e inter-religiosa
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Talvez uma das palavras que mais cedo se é aprendida no vocabulário cristão seja o da oração. Toda criança que nasceu em um lar de qualquer espectro cristão (ortodoxo, católico ou protestante) é bem provável que tenha, já na tenra idade, aprendido a fazer alguma oração ao papai do céu. Suplicar algo a Deus, essa é a definição do dicionário do que vem a ser a oração. Contudo, no meio cristão, principalmente, a oração passou a ser considerada mais um falar com Deus do que somente suplicar algo a ele, tanto que é comum, em diversas liturgias, as orações de agradecimento, louvor, além, claro das súplicas e pedidos.
Numa perspectiva ecumênica, a oração é uma marca característica do cristianismo, sendo o Pai Nosso a mais conhecida e a que gera, talvez, o menor conflito litúrgico. A diferença é muito pouca do Pai Nosso que é orado numa igreja protestante e no que é orado no catolicismo, manifestando-se somente no fato de que no movimento protestante como todo se fala a última parte que consta em Mateus: “Pois teu é o Reino, o poder e a glória para todo sempre”, enquanto no catolicismo, seja romano, seja ortodoxo, para-se no “e livrai-nos do mal”.
O Pai Nosso, por sua vez, sendo o resumo do ensinamento de Jesus para aqueles e aquelas que os seguia, traz ensinamentos muito importantes que se abrem tanto para uma convivência pacífica entre cristãos como também para uma convivência amorosa para com os que não são cristãos, ou seja, abre-se o leque para pensar em perspectiva ecumênica e inter-religiosa.
Afirmar, na oração, que o Pai é nosso, deveria ser suficiente para se abrir mão de todo privilégio ou soberba de se achar que é mais querido do que o outro por realizar determinado rito ou professar outra religião. Se o Pai é nosso, como Jesus afirma em seu ensinamento, então todos e todas têm a mesma liberdade de se achegar a esse Pai, independentemente de sua cor, raça, status social ou qualquer outro delimitador. Se se acredita em um Pai que é nosso, então ninguém está fora dessa abrangência amorosa que esse Pai constantemente derrama sobre seus filhos e filhas.
Ao contrário do que se pode pensar, outras religiões também praticam o que os cristãos chamam de oração, ou seja, orar não é uma característica somente cristã, estando presente também em, por exemplo, religiões não teístas como o budismo. Recentemente, questionando um querido amigo budista a respeito desse tema, este me disse que: “ao contrário de algumas religiões, a filosofia budista não tem uma ou outra prece tradicional ou essencial. O que se espera é que, em meditação, façamos uma oração por dia para elevar o espírito. Assim, quando da oração, devemos pensar nas pessoas nela citadas em momentos felizes, em paz, alegres e pacíficos. Enviamos pensamentos de amor e bondade para essas pessoas. É, na verdade, uma conversa espiritual para concentração e elevação mental. O ambiente para essa oração deve ser, se possível, compatível com a meditação que se pretende alcançar. A postura e a respiração contam muito, principalmente esta última, que nos remete à essência da vida. No budismo tibetano, há mantras a serem ditos, cada um com seu significado, mas esses mantras têm o papel de evitar que a pessoa se distraia durante sua meditação/oração. O diferencial essencial que considero é que a prece não é para Buda tal como divindade. É para que nós mesmos possamos aprofundar nossa espiritualidade. Não há um modo certo ou errado de orar. O que importa é estarmos em sintonia conosco e emanemos coisas boas”.
Esse simples relato mostra algo que, muitas vezes, nós enquanto cristãos, esquecemos: o foco da oração não deve ser para mudar o coração da outra pessoa ou o coração de Deus, antes, mudar a nossa postura diante das diversas realidades do mundo. Para um cristão que compreendeu a oração do Pai Nosso, vivendo-a em seu dia a dia, este também emanará, por meio do Espírito, as “coisas boas” que, na crença budista, pode emanar de dentro de cada ser humano e que afeta diretamente o mundo em sua volta.
Assim, o orar, algo tão simples e que às vezes consideramos tão banal, vai muito além do que uma mera definição de dicionário de se suplicar algo a Deus. Se bem compreendida, pode ser instrumento catalisador de transformação da sociedade.