O desafio de uma teologia criativa
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Um dos grandes desafios que se coloca para a teologia hermenêutica é o de dizer a Palavra de Deus hoje, de forma criativa e de maneira que faça sentido à sociedade de nossos dias. Se a teologia é histórica, faz parte da existência do homem e se diz em linguagem humana, é necessário que aconteça e fale dentro de seu tempo e nunca fora dele.
Contudo, para que se faça teologia de forma criativa é necessária a ruptura com algumas formas engessadas. A primeira delas é partir do princípio de que há algo dentro do texto que precisa ser desvendado, a ideia de que há um sentido por trás do texto que deve ser encontrado.
Não há um sentido por trás do texto, antes esse sentido é dado diante da fusão de horizontes da qual nos fala Gadamer. Em outras palavras, como diz Geffré, é em um adiante que dá o sentido. O texto somente pode me dizer algo hoje com o horizonte de compreensão que tenho diante de mim hoje. E é nesse ponto que se dá a fusão do horizonte do texto com o horizonte de compreensão daquele que o lê.
Fazer teologia de maneira hermenêutica pressupõe a suspeita crítica diante de nossas pré-compreensões e pressupostos da construção e interpretação do texto. Isso não quer dizer abrir mão de processos úteis e já conhecidos para interpretação, mas usá-los em interação viva com a situação em que estamos, trazendo o prolongamento da “coisa do texto” (Ricoeur), para nossa situação presente.
Com isso, a distinção feita por Dilthey entre explicar e compreender não faz mais sentido, uma vez que explicar já é compreender quando adotamos essa forma de fazer teologia.
Dessa forma, parece-nos claro que toda pretensão de verdade e absolutização teológica têm aqui seu fim e não encontra mais espaço nessa forma de fazer teologia. A crítica às ideologias tem aqui papel fundamental. Toda tentativa de um sistema com verdades absolutas tem uma forte crítica em seu encalço. Com isso, precisamos admitir que a teologia não pode ter a pretensão de ser a sistematização perfeita da mensagem cristã, antes, é uma das diversas perspectivas possíveis de abordagem dessa mensagem.
Teria algum sentido falar de uma verdade absoluta no mundo de hoje? Nenhum de nós conseguimos ver um dado como todo. Sempre vemos em perspectiva, independente daquilo que seja. A forma como vemos certo objeto determina a forma que falaremos sobre ele.
Para exemplificar, imaginem-se duas pessoas sentadas, uma diante da outra, com uma mesa entre elas. Temos, em outra mesa uma caneca de café que possui de um lado o desenho de uma pomba em um fundo verde e do outro lado uma flor branca em um fundo lilás. As duas pessoas sentadas à mesa desconhecem a caneca. Passados cerca de 30 minutos, coloca-se a caneca de café no centro da mesa e pede para que cada um, sentado na forma que está, descreva determinada garrafa. O que está sentado do lado que dê visão à pomba em fundo verde conseguirá descrever uma imagem diferente da que está vendo? Da mesma forma, o que está com o lado com o fundo lilás, conseguirá descrever uma pomba? Cada um descreverá aquilo que vê e terá determinada visão daquilo que é a caneca em cima da mesa. Somente se terá como verdadeira a fala do outro se se tomar o lugar desse outro para ver a caneca na perspectiva dele.
Se tomarmos a caneca como sendo a verdade, perceberemos que, assim como a caneca, só podemos ver a verdade em perspectiva e, assim, toda pretensão de verdade absoluta se mostra como falsa de saída.
Porém, implicaria então, que fazer teologia de caráter hermenêutico tem a ver com relativização de toda verdade? Se cada um vê a verdade em perspectiva, por que então não falar em relativismo e esconder atrás de certa máscara chamada teologia hermenêutica?
Perspectivas da verdade não querem dizer relativização da verdade, antes consciência do mistério de Deus, que é muito além da compreensão humana e faz com que toda tentativa interpretativa seja meramente assintótica (GEFFRE, 2004, p.38).
O que está implícito em uma teologia de caráter hermenêutico é a questão da linguagem enquanto dizer do mundo, na linha do segundo Heidegger e do segundo Ricoeur. Se a linguagem é dizer o mundo, então a tarefa de toda teologia é escutar aquilo que nos é dito pelo mundo.
Sem isso é impossível fazer teologia hermenêutica. Cairíamos novamente na diferenciação entre texto e significado, entre teologia positiva e especulativa, exegese e hermenêutica.