Indignação e violência: uma antagonia na perspectiva do Reino de Deus
Photo by Thomas de LUZE on Unsplash
Vivemos em um mundo injusto. Essa afirmação dificilmente será negada por alguém que vive nele. Afinal, vemos isso todos os dias nos jornais, séries televisivas, streaming etc, de maneira que pensar uma sociedade que seja inteiramente justa é, para a maioria das pessoas, algo utópico, que acontece somente em desenhos da Disney.
Essa injustiça, por sua vez, gera em diversas pessoas a indignação e o senso de que algo precisa ser feito para que ela não prevaleça sobre o mundo. As ideias de que “algo está errado”, de que “não é possível que isso continue desse jeito” são, geralmente, as catalisadoras das grandes revoltas populares que já aconteceram ao longo da história.
Desde Maquiavel, sabemos que o conflito faz parte da cena política. Afinal, como já dizia o filósofo de Florença, há sempre a classe dos que querem dominar e a classe dos que não querem ser dominados, de maneira que o conflito é inevitável.
Que tal condição fomente em muitos casos a violência nos parece claro, uma vez que quando o conflito se torna muito grande, o meio de não se deixar dominar se dá pela violência, em resposta à violência sofrida. Isso é o que vemos ao longo do tempo, em que diversos grupos tiveram que recorrer à própria violência para garantir sua própria sobrevivência, de maneira que confundir a violência do oprimido colocando no mesmo bojo da violência do opressor se mostra, geralmente, como ignorância o mau-caratismo.
Quando seguimos para o campo religioso, em nossos dias, é possível perceber um discurso de violência se sobressaindo, principalmente em ambientes mais conservadores. Quando olhamos para tais vertentes, seja no âmbito evangélico, seja no âmbito católico, é possível perceber que esses ânimos alterados em nada tem a ver com a proposta de Jesus. Confundir a justa indignação diante de uma situação injusta com a violência enquanto forma de convívio na sociedade é um erro muito grande.
A violência e a justa indignação bíblica não andam de mãos dadas dentro da proposta cristã, que tem como ponto de partida a vida e obra de Jesus Cristo. Uma das características marcantes do ministério de Jesus se dá no seu discurso amoroso, contrário, justamente, às formas tão características de poder existentes em seu contexto. No lugar da violência, apresenta o amor de Deus que chama a todos e todas a se indignar contra a injustiça e lutar contra ela, não com as mesmas armas da violência que a causa, mas com parrésia e perseverança em fazer o bem.
Com isso em mente, pensar um Jesus que anda armado, que chega dando palavras de ordem pregando moralidades, que chega atirando em algum lugar por não concordar com posições políticas opostas, que quer bandido morto, que “vai mostrar quem manda” é totalmente incompatível com aquilo que se mostra nos Evangelhos.
Indignar-se, em perspectiva cristã, é justamente essa afronta que se faz diante de um mundo injusto, é essa repulsa a um sistema que tem a violência em seus diversos níveis como forma de dominação na sociedade.
O Reino de Deus, como mostrado por Jesus não chama à violência, mas nos impele à justa indignação diante de um mundo mau. Estar atento a isso é fundamental para não se achar que “falar grosso e violentamente” é sinal de autoridade divina. Muito menos, achar que pela violência se cooperará para a vinda do Reino. Não. Afirmar a violência como comportamento cristão é agir como anticristos na sociedade atual e, portanto, no caminho oposto àquele apresentado por Jesus de Nazaré.