A tentação do poder: um desafio para a igreja atual
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“Se você quer conhecer o caráter de uma pessoa, dê a ela poder”. Essa frase é grandemente conhecida em nossa sociedade e, talvez, seja até mesmo um senso comum pensar que o poder corrompe àqueles e àquelas que o possuem.
O próprio texto bíblico, ao narrar a tentação de Jesus, coloca o poder como sendo um dos pontos abordados pelo tentador. Nesse sentido, pensar a relação que se estabelece com o poder se mostra algo importante.
Que a sociedade seja dividida entre aqueles que dominam e os dominados, de maneira que os primeiros desejam manter o seu poder, enquanto os segundos desejam alcançar o lugar dos primeiros, gerando, portanto, uma sociedade que tem o conflito como base, disso já nos alertava Maquiavel há muito tempo.
Esse fato, porém, não deve ser tomado como algo que não possa ser mudado pela própria sociedade. A própria pregação que nasce a partir da experiência com o Cristo ressuscitado deixa vislumbrar um ideal de sociedade na qual as hierarquias são quebradas e todos e todas são irmãos e irmãs, não exercendo ninguém poder sobre ninguém, sendo Deus tudo em todos, de maneira que o amor seja a tônica de todo e qualquer relacionamento do ser humano entre si e com a própria natureza.
Esse Reino, que vem da parte de Deus, é apresentado como plano Dele para sua criação, uma restauração do antigo mito do Éden, em que seres humanos e natureza estavam em total harmonia. Agora, para além de ser somente um casal primervo, encontram-se milhares de milhares, alcançados pela graça para a vida plena que provém de Deus.
Tal vida, por sua vez, sendo vivida no chão do mundo, não em um plano espiritual, descorporificado e “nas alturas”. Muito pelo contrário, tal Reino desce do céu (o que nada mais é do que “vem da parte de Deus”).
Contudo, vivemos em um mundo em que tais relações de poder ocorrem e, caso queiramos realmente ser exemplos de vida cristã, devemos estar dispostos a renunciar ao poder que corrompe e gera mal.
Se isso se mostra difícil para nós, imagine, então, para as instituições cristãs já consolidadas no tempo. Claramente, tais instituições são compostas de pessoas, mas não podemos ignorar o fato de que instituições são mais poderosas que as pessoas que dela fazem parte, uma vez que se revestem de toda uma história e tradição que as acompanham. Tal despersonificação, por sua vez, também se mostra como instrumento de poder. Afinal, dizer: “A Igreja fez isso” é totalmente diferente de dizer: “João fez isso”. No segundo caso, fica fácil identificar o João, no primeiro, é praticamente impossível atribuir a alguém a responsabilidade por essa “Igreja”.
Com isso em mente, não é difícil nos lembrarmos de diversas situações nas quais essa “Igreja”, em nome de uma manutenção de um poder que carrega, embargou e foi contra diversos avanços no campo secular. Desde as suas lutas contra as revoluções científicas, biológicas e sociais nos séculos anteriores até posicionamentos contrários à abertura de seu meio para novas ideias e possibilidades teológicas no século 21, o apego ao poder e à hegemonia ainda continuam sendo a tônica de muitos setores cristãos, tais como o ensino teológico.
Nesse caso, a resistência em se investir em uma teologia pública e secular se mostra preocupante e a pergunta sobre o porquê de não haver cursos de teologia secular e pública em diversos países nos quais um catolicismo rígido é predominante permanece.
Será que tal questão surge por que esse tipo de cristianismo não está disposto a renunciar ao seu poder e à sua hegemonia? Será que veem novas possibilidades de ensino teológico como algo que a assusta? Será que é devido à necessidade de se manterem como pedágio para o acesso ao conhecimento de uma teologia séria?
Cair na tentação do poder é muito fácil e, não raramente, quem cai nela não consegue perceber que já se sucumbiu ao seu canto falacioso.