A tara cristã com um Deus moralizador
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Quem pertence à religião cristã há algum tempo, como é o meu caso, já deve ter percebido certa tara que diversas igrejas têm pelas questões de moralidade. Em geral, caso se queira criar alguma desavença com alguma liderança, basta pontuar problemas relacionados à moral. Se for com relação à moral sexual, então, o afã é ainda maior e as consequências para quem levantou a lebre são bastante severas.
Isso nos chama a atenção para algo ainda muito característico no cristianismo contemporâneo, que é a preferência que grande parcela dessa religião tem por um Deus moralizador no lugar de um Deus amoroso. Talvez, alguns até gostariam de mudar o versículo de I João 4,8, que afirma: “Deus é amor” para um que dissesse: “Deus é moral”.
Não dificilmente, é possível perceber que diversas pessoas que se dizem cristãs colocam a moralidade como condição para receber o amor de Deus. Frases do tipo: “Deus não te abençoa porque você pecou”. Ou ainda: “Isso aconteceu porque você fez algo que a Bíblia fala que não é para fazer”, dentre tantas outras que poderíamos citar, revelam um discurso que condiciona o amor de Deus a um agir moralmente esperado.
Da mesma forma, quantos já não ouviram alguma frase que começasse com Deus é amor e logo após viesse um mas na frente? “Deus ama o pecador, mas odeia o pecado”, como se o pecado fosse um ser existente em algum lugar etéreo, e não fruto de um ser humano que escolhe voltar-se somente para si. Ou ainda, “Deus é amor, mas também é justo”, dando a entender que a justiça de Deus não é amorosa e é tal como a nossa justiça, dentre tantas outras que a criatividade permite compor.
Que em todas essas frases se manifesta uma compreensão bastante rasa sobre o que o texto bíblico fala sobre amor de Deus, parece-nos claro. No entanto, algo que muitas vezes não fica tão claro assim é que em todas elas se está pressupondo que a moralidade é atemporal, eterna, criada por Deus e obrigatória para todas as pessoas. E, mais curiosamente ainda, tal moral é a moral cristã fundamentalista.
Em outras palavras, tais discursos se esquecem de que as moralidades são constructos sociais e frutos dos diversos contextos em que elas se consolidam, retroagem, avançam e se reconsolidam em um movimento permanente de construção ao longo da história, de maneira que pensar moralidades rígidas, prontas e universais se mostra sem nenhum sentido.
O discurso da moralidade como algo “vindo da parte de Deus” permite o domínio sobre as pessoas. Quando, ainda, tal moralidade vem com um discurso religioso que lhe serve de base, carrega consigo um poder enorme de se tornar hegemônica em determinado grupo. Se tal grupo, por sua vez, também se torna hegemônico, temos uma sociedade direcionada por tal moralidade, de maneira que a condenação de todos os sujeitos considerados subversivos se mostra não somente necessária, mas também desejável.
Claramente, a preferência por um Deus moralizador traz diversos benefícios para os seus seguidores e seguidoras. Com eles e elas está o correto, o que deve ser feito, as listas de pode e não pode e as chaves para entrada no céu.
Do lado do seguidores do Deus amoroso, no entanto, encontram-se a dúvida, a confiança na graça, a aposta e a inquietação, que longe de trazerem certezas, convidam ao ato de fé.
Que seguir ao Deus moralizador é bem mais fácil, não temos dúvida. Contudo, não é esse o Deus anunciado por Jesus Cristo, o péssimo exemplo de moral, a quem chamamos de Filho de Deus, irmão mais velho e Salvador. O Deus apresentado por ele é, justamente, o Deus amoroso, que ama incondicionalmente e que sobre todos e todas derrama suas bençãos e salvação, sem exigir absolutamente nada em troca para isso.