Pentecostes: recuperar a feminilidade do Espírito
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Nesta semana, no calendário litúrgico, celebramos o Pentecostes que, pela ótica cristã, refere-se à descida do Espírito sobre os apóstolos, conforme narrado em Atos 2. No entanto, ainda é muito comum em diversas igrejas evangélicas lidar com esse texto somente numa perspectiva imediata e literal. Imagina-se o Espírito vindo sobre os apóstolos, trazendo línguas de fogo (que muitas igrejas, principalmente pentecostais veem aí a presença da glossolalia, mesmo que o texto não fale em línguas de fogo, mas, sim, línguas como de fogo, mostrando, assim, que se trata de um símbolo), e batizando a todos e todas ali presentes com o Espírito Santo. Diante de uma leitura literal, não são raras as igrejas que acreditam que o selo do Espírito e que o que define tal batismo com Espírito Santo seja o dom de falar em línguas, o que, na linha de todo o texto bíblico, se mostra sem o menor sentido.
Contudo, para além dessa questão da glossolalia e do batismo com Espírito Santo (do qual o texto não fala), há uma característica do Espírito que muitas vezes é esquecida e que se faz presente em diversos momentos ao longo do texto bíblico: o caráter maternal do Espírito.
O termo Espírito vem do latim spiritus, que veio do grego pneuma, que foi a tradução para o termo hebraico ruah. Esse termo hebraico pode ser usado tanto no masculino quanto no feminino, sendo que quando usado no masculino tem a ver com o poder de Deus, o vento impetuoso, um furação que revela a ação de Javé no mundo e quando usado no feminino traz a ideia da geração de vida, aquele que dá a luz à criação e à própria igreja. Essa visão, lindamente desenvolvida na teologia antiga da Síria e da Armênia mostram o Espírito Santo como a “costela do Logos”, o que traz também uma forma própria de se ver a Igreja. Assim como Eva foi formada da costela de Adão, assim a Igreja foi formada da costela do Logos que é o Espírito Santo. Assim como Eva é a mãe da vida humana, o Espírito Santo é mãe da nova vida.
Infelizmente, tal característica do Espírito e da própria divindade é constantemente esquecida, de maneira que a visão de um Deus patriarcal, poderoso em obras, que manda e todos devem obedecer é mais difundida do que aquela que diversos profetas mostraram, de um Deus que gera a vida, acalenta e consola seus filhos e filhas.
Nesse cenário, recuperar as características femininas de Deus no tempo de Pentecostes se mostra de grande importância. Partindo do pressuposto de que a forma como vemos Deus é a forma que nos relacionamos com ele e com a humanidade, compreender o caráter feminino de Deus deve fazer com que o cristianismo se posicione contra toda e qualquer situação na qual a mulher é considerada inferior ao homem, ou é violentada física, material e psicologicamente. Da mesma forma, deve fazer com o que o cristianismo valorize as mulheres, reconhecendo sua coragem, criatividade e força próprias, vindas do mesmo Pai/Mãe de todos e todas.
A compreensão do caráter feminino de Deus também abre um excelente caminho para o diálogo inter-religioso, principalmente para com aquelas religiões que tem a mãe-terra como divindade, tal como diversas comunidades indígenas e ameríndias.
Com tudo isso em mente, a celebração do Pentecostes não deve fomentar a celebração da descida de um Espírito impessoal, que visa somente a armar pessoas para batalhas espirituais contra as forças do mal. No lugar, é necessário que a memória do Pentecostes traga sobre os cristãos e cristãs de nosso dia a coragem para se posicionar contra toda estrutura de violência, principalmente contra as mulheres, tão presente em nossos dias.
Reconhecer o caráter maternal do Espírito e seu poder gerador de vida deve fazer com que, cheios desse mesmo Espírito sejamos nós também promotores da vida, cuidadores uns dos outros e do planeta em que vivemos, vendo em cada ser humano e na própria natureza traços do Espírito de Deus, aquele que é Senhor e dá a vida.