Crises e fundamentalismos: solo para uma fé mágica

Crises e fundamentalismos: solo para uma fé mágica

Photo by Julius Drost on Unsplash


Tempos de crises são sempre importantes para se pensar os aspectos religiosos de determinada sociedade. Ao longo da história é comum observarmos que momentos de grandes transformações, ou de grandes catástrofes são responsáveis por se fazer repensar os diversos arcabouços teológicos nos quais determinada comunidade está inserida.

A própria teologia que perpassa o texto bíblico mostra essa dinâmica. Quem analisa de perto a teologia existente no período monárquico da sociedade de Israel e depois toma a teologia desenvolvida no e após o exílio da Babilônia percebe uma enorme diferença na concepção que se tem de Deus, do mundo e da relação entre Deus e seu povo. O mesmo acontece com a teologia do Novo Testamento quando se analisa aquela que é feita por Paulo, por volta dos anos 50 e 60 da era cristã e aquela desenvolvida por João, quase chegando no século II.

Se vamos para além do texto bíblico isso também se nota. Basta comparar a teologia da Idade Média e a teologia desenvolvida após a revolução científica que se inicia no século 17 para perceber que transformações significativas aconteceram. O mesmo se tomarmos a teologia pré-guerras e as teologias pós-guerras no Ocidente. Em todos esses casos, fica latente a máxima que toda teologia é fruto de seu tempo e só pode ser compreendida a partir do seu contexto.

Os tempos de crise também, por sua vez, levantam as buscas pelas certezas. Não é de se espantar que tais tempos fazem florescer as propostas fundamentalistas e de hermetismo teológico. Basta ver a teologia que começa a surgir no meio protestante a partir do século 17, que ficou conhecida como teologia liberal, e a enorme reação que trouxe tanto no catolicismo, quanto no próprio protestantismo daquele período, tendo reverberações até início do século 20.

Essas questões podem ser interessantes caso queiramos pensar a situação do cristianismo na atualidade. Vivemos uma crise. A pandemia não deve ser pensada de outra forma. As mortes, as incertezas, as buscas por solução e, no caso brasileiro, também o descaso assassino com o qual o governo federal tem lidado com a situação, têm levado diversas pessoas ao desespero.

Se por um lado tal atitude faz com que diversas pessoas tentem refúgios nos movimentos de cunho fundamentalista, visto esses propagandearem que estão no caminho certo e que possuem a fórmula para a salvação, por outro, faz com que muitas pessoas desenvolvam uma espécie de fé mágica, na qual basta dizer algumas fórmulas que todos os problemas se resolverão. A segunda opção está, a meu ver, em extrema conexão com a primeira.

Claramente, essa fé mágica não é característica do momento de pandemia. Muito antes dela essas práticas aconteciam. Aqui, só frisamos que os momentos de crise podem potencializar ainda mais esse tipo de atitude por parte das pessoas que buscam tal certeza de proteção contra o mal que está à sua volta.

Exemplos dessa fé mágica se encontram aos montes: pessoas que abrem a Bíblia no salmo 91 ou 23 e deixam em algum lugar de destaque em casa ou no carro para que o mal não os alcance, ou para que eles não sejam roubados; pessoas que fazem o sinal da cruz como meio protetor contra as investidas do maligno; frases do tipo: “está amarrado em nome de Jesus”, ou “o sangue de Jesus tem poder”, dentre tantas outras que poderíamos citar refletem esse tipo de “mágica autorizada” que perpassa muito do cristianismo atual.

Diante desse cenário, urge a tarefa teológica de ser ao mesmo tempo serena e profética. Serena, no sentido de ter a paciência de ensinar e mostrar que a fé cristã, conforme anunciada pelos evangelhos, não tem a ver com ficar hábil num arsenal de frases de cunho espiritual que combate forças malignas, mas com a vida em amor ao próximo, que desfazendo as estruturas de morte, vence o mal que insiste em permanecer ativo. Profética, no sentido de denunciar os discursos que disfarçados de proposta cristã apregoam o status quo, a opressão e o ataque à dignidade humana por meio de pregações que discriminam, geram ódio e fortalecem as estruturas de morte em nosso meio.

Sem essas características, tendemos a ver o aumento do fundamentalismo e o afastamento do mundo para as questões teológicas como resposta a um cristianismo que não dialoga mais com a sociedade na qual está inserida.

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