A fé cristã nos chama à resistência
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Durante muito tempo na história do cristianismo os atos e discursos de resistência foram vistos como não desejados por Deus. Até mesmo hoje ainda permanece em diversas igrejas e movimentos religiosos a ideia de que as pessoas devem aceitar aquilo que as sobreveem como sendo algo desejado por um Deus que sabe o que faz.
Esse tipo de discurso que parte de uma ideia muitas vezes deturpada da soberania divina tem um peso muito forte sobre muitas pessoas que desejam andar com Deus. Afinal, se resistir e lutar para a mudança da situação no mundo não é algo desejado por um Deus que deseja que todos permaneçam onde estão porque ele é o senhor da história e já tem um plano previsto para toda desgraça que se abate sobre nós, então o cristão e a cristã deve somente aguardar e deixar o curso da história seguir da forma como sempre foi. Ao mesmo tempo, todo ato de resistência, dentro desta perspectiva, deve ser visto como ato de ausência de fé, como se determinada pessoa não cresse que Deus esteja agindo de maneiras ocultas, guiando os passos para aquilo que, de alguma forma, ele queira.
Não é difícil de notar que esse tipo de teologia é o preferido pelo status quo, uma vez que povos passivos são mais fáceis de serem dominados e mantidos sob o domínio daqueles e daquelas que já detém o poder dos discursos e dos atos. Justifica-se isso como sendo da vontade divina e temos um banquete farto para manutenção de impérios, reinados, governos civis e eclesiásticos.
No entanto, ao voltarmos ao texto bíblico é possível perceber ali não um convite a uma confiança passiva do tipo que joga tudo nas mãos de Deus e somente espera que ele aja de alguma forma para cumprir o seu propósito. Menos ainda uma ideia de que Deus planejou desgraças para seu povo a fim de direcionar a história para onde Ele queria que ela chegasse. Muito pelo contrário, a confiança em Deus que é ensinada no texto bíblico é aquela que, baseada na esperança do cumprimento das promessas recebidas e a partir das experiências de libertação pelas quais o povo viu a intervenção de Deus contra seus opressores, age para a transformação da história e da sociedade, denuncia as injustiças cometidas pelos poderosos e luta para que a justiça seja mantida.
A dinâmica da libertação da opressão é fundamental para a compreensão de toda a mensagem bíblica, marcando grande parte dos ensinamentos do Antigo Testamento e também do Novo Testamento. O Deus narrado nas Escrituras, a quem Jesus chama de Pai, é aquele que tanto liberta o povo hebreu da opressão do Egito, como aquele que, em Jesus, liberta-nos da opressão da morte. Compreender essa dinâmica é fundamental para que a fé não seja vista como algo passivo, mas como algo que nos motiva a tomarmos posição contra as estruturas de morte que ainda imperam nos diversos estratos da sociedade.
Dessa forma, resistência, denúncia e luta contra as injustiças, contra o descaso para com os mais pobres, contra as políticas de morte que afligem a sociedade não são ações contrárias à fé. Antes, têm na fé o seu fundamento, por entender que o Deus cristão nos chama para cooperar com ele na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária. Em outras palavras, chama-nos a mostrar hoje as nuances do Reino de Deus que há de vir. Assim, se cremos que nesse Reino de Deus que há de vir não haverá mais sofrimento, opressão, desigualdade e injustiça, então é nosso dever como cristãos e cristãs lutar por uma sociedade que seja dessa maneira e, por isso mesmo, resistir contra as investidas de governos que no lugar da vida desejam a morte.