Que salvação é essa?
Imagem de Fifaliana Joy por Pixabay
No meio evangélico é ainda muito comum e forte a ideia de que somente uma salvação individual é importante. Dessa maneira, cada pessoa deve buscar fazer o melhor possível e seguir aquilo que Deus deseja para de alguma forma poder ter alguma segurança a respeito da sua vida pós-morte.
A preocupação para com a salvação é tão forte em alguns meios que chega a um ponto de se considerar tudo que não se coaduna com uma norma específica como pecado que afasta o cristão do caminho de Cristo e o conduz à perdição. Claramente, os movimentos fundamentalistas se alimentam desse tipo de postura. Afinal, onde a obediência a uma norma é a régua de medir o compromisso de determinada pessoa com Deus, torna-se muito fácil para as lideranças controlar os afazeres de seus membros em todas as áreas da vida.
Da mesma forma, essa preocupação excessiva com a salvação individual comumente faz com que muitos evangélicos não se envolvam com as questões de cunho social, político e econômico, preferindo se alienarem desses compromissos. Uma vez que tais envolvimentos são coisas “do mundo” ao qual não se veem pertencentes aqueles e aquelas que aguardam uma “pátria celestial”, ocupar-se dessas questões muitas vezes é visto como tempo não dedicado a Deus.
Por outro lado, há aqueles e aquelas que entram nas questões políticas (como vemos tantos atualmente nas diversas câmaras espalhadas pelo país) não com o intuito de tornar a sociedade um lugar melhor, mas para tentar, por meio de suas visões de mundo, transformar os locais nos quais estão em uma extensão da igreja a qual pertencem. Nesse sentido, tomam atitudes de cunho proselitista, tentando por meio das leis e da máquina pública empurrar goela abaixo determinado discurso que afirmam ser a palavra de Deus. Curiosamente, essa “palavra de Deus” da qual tanto se fala em nada muda as estruturas que geram as pobrezas, misérias e desigualdades existentes na sociedade, estando mais preocupada em legislar sobre relações sexuais do que fazer com que as pessoas tenham vidas mais dignas.
A não compreensão da salvação conforme narrada nos Evangelhos faz com que diversas pessoas se apeguem mais às formas do que ao conteúdo dessa salvação anunciada. Quando se foca numa salvação meramente individual, na qual um “eu” solitário precisa prestar contas diante de um Deus contabilista, que tem uma planilha de débito e crédito para julgar a vida de cada um no juízo final, perde-se o conteúdo da mensagem anunciada por Jesus. Mensagem, esta, que visa justamente libertar o ser humano de todas as amarras da lei, revelando que o amor de Deus é maior do que toda e qualquer legislação; que a salvação é de graça e, somente pela graça por meio da fé que é possível aceitá-la; que não há nada que possa ser feito para que Deus nos ame mais ou menos; que a salvação é direcionada a todos e todas.
A salvação não deve ser desejada somente em seu caráter individual, mas deve ser pensada também em seu caráter social, de maneira que a minha ação na sociedade é o que dá testemunho da salvação que me alcançou. Em outras palavras, as boas ações não são feitas para que eu seja salvo, mas, antes, porque eu sou salvo que as boas ações, também frutos dessa salvação, transbordam e alcançam às outras pessoas.
Essa consciência de uma salvação não merecida faz cair todo proselitismo, toda intolerância, todo medo e toda indiferença para com os sofrimentos deste mundo, porque bem compreendida deixa claro que o mundo a ser transformado por Deus, a “nova Jerusalém que desce do céu” não tem a ver com um “subir” para se estar com Deus, mas reconhecê-lo presente e atuando no mundo.
O tão orado “venha a nós o teu Reino” deveria deixar claro que a salvação desejada por Deus não é somente a minha salvação, mas a salvação de todo o cosmos, ou seja, uma salvação social, política, econômica e estrutural da sociedade para que ela experimente o governo amoroso de Deus sobre a terra, onde, de acordo com nossa esperança, não haverá as estruturas de morte que continuamente matam e segregam principalmente os mais pobres deste mundo.