Contra todo fundamentalismo: o amor
Uma das grandes taras dos movimentos fundamentalistas de cunho cristão é querer garantir que Deus seja somente pertencente a eles. É muito comum perceber esse tipo de atitude diante do carregado exclusivismo com que todo fundamentalista cristão trata o relacionamento de Deus com o mundo. Em alguma medida, tal movimento pensa que pertence a um grupo seleto que adquiriu um conhecimento último e supremo da vontade de Deus, de maneira que somente os que compactuam de suas visões de mundo são os que são dignos de serem chamados filhos de Deus.
Esse tipo de ideia não é algo novo de nosso tempo. O texto bíblico mesmo mostra essa dinâmica fundamentalista na figura dos fariseus hipócritas condenados por Jesus por, dentre outras coisas, atar fardos pesados sobre os ombros dos humanos sem, contudo, estarem dispostos a mover um dedo para movê-los (Mt 23,4). É conhecida a forma como se achavam superiores aos outros justamente porque guardavam as normas rituais e seguiam a Lei de Moisés.
Em dias atuais a dinâmica ainda se mostra a mesma. Diversas pessoas que se dizem cristãs se orgulham por carregar o texto bíblico por aí, recitando seus versículos e suas normas morais a fim de condenar as pessoas que não são tão devotas e puras como elas. Mesmo que os textos sejam tirados de seus contextos para servir de pretexto para suas afirmações, isso não parece incomodar tais grupos. Muito pelo contrário, acreditam que aqueles que apontam tal jogada retórica são hereges que não querem aceitar a verdade e que vão contra o desejo divino de que todas as pessoas sejam salvas.
Por esses motivos, não é de se espantar porque o Jesus bíblico ainda é um escândalo para essas pessoas e constantemente elas tentam tratá-lo como um ser espiritual que andou sobre a Terra e, por isso mesmo, como alguém a quem era impossível errar, pecar, ter desejos etc. Esquecem-se da humanidade de Jesus e do seu engajamento social em favor dos mais pobres, vulneráveis e excluídos, bem como escolhem não mencionar que aos olhos dos religiosos e fundamentalistas de seu tempo foi considerado um herege e um péssimo exemplo de moral, e aos olhos do Império Romano, como bandido merecedor da cruz.
Fazem também questão de esquecer que o Pai anunciado por Jesus estava longe dos exclusivismos. Muito pelo contrário, mostra que o Pai é o inclusivista por excelência, aquele que quer que todos e todas sejam salvos, que distribui suas bênçãos sobre todas as pessoas indiscriminadamente, sem fazer nenhum tipo de seleção prévia para sua decisão de abençoar. Em outras palavras, lança por terra toda e qualquer pretensão de que alguém se considere mais digno ou merecedor do amor do Pai.
Esse aspecto da graça talvez seja o mais perturbador para todos os movimentos de cunho fundamentalista. Afinal, acaba com a pretensão de superioridade ou merecimento, colocando todas as pessoas no mesmo patamar de pecadoras e carentes da misericórdia divina, revelando o absurdo do amor de Deus que nos ama independente do que fazemos ou deixamos de fazer.
Em uma sociedade como a nossa na qual se veem crescer os discursos fundamentalistas de caráter cristão com o intuito de exercer o domínio da sociedade para imposição de sua agenda retrógrada e discriminatória, é tarefa teológica apontar que esses movimentos não refletem o Evangelho de Jesus Cristo. Muito pelo contrário, são movimentos anticristãos justamente por irem contra a mensagem de Jesus de Nazaré que afirma que Deus ama o mundo, importa-se com ele e deseja que todas as pessoas o encontrem não pelo rigor dos fundamentalismos e das leis, mas na gratuidade do amor que revela quem o Pai realmente é.