Sobre democracia, participação popular e tecnologia
Foto de Giacomo Ferroni na Unsplash
Recentemente, tenho lido vários textos sobre a questão da democracia, participação popular e a questão digital.
Em quase todos, a perspectiva se mostra semelhante ao afirmar que a tecnologia pode ser grande aliada para promover maior participação popular na democracia do nosso país. Diversas iniciativas se mostram no horizonte, em diversos países, mostrando que boas ideias de democracias digitais podem t ganhos tanto epistêmicos, quanto práticos na condução de uma democracia mais participativa.
Uma dessas iniciativas, chamada de crowdlaw, bastante conhecida por aqueles e aquelas que estudam a questão da participação popular na democracia, parte do princípio de que quanto mais inteligência coletiva é usada, maior a chance de trazer soluções novas para problemas concretos de determinada população. Isso, por sua vez, se daria por meio do uso de tecnologias já existentes, ou até mesmo, mediante a criação de novas formas para tal interação.
Uma das características do crowdlaw é ser institucionalizado, ou seja, é um instrumento do próprio Estado para a participação popular, o que se mostra, também, a meu ver, um dos grandes problemas para uma cultura de crowdlaw. Por que digo isso? Justamente porque uma vez sendo institucionalizado, isso implica a cessão de parte do processo de tomada de decisão à população, algo, claro, nem sempre bem-visto por parte dos que deveriam representar o povo.
Abrir mão do poder não é uma tarefa simples, principalmente quando tal abertura também implica um redesenho institucional que garanta que as soluções inovadoras e as ideias oriundas da inteligência coletiva sejam absorvidas pelo Legislativo, responsável por fazer as leis de um país nas democracias vigentes. Talvez, por isso, ideias de crowdlaw se mostram ainda incipientes no cenário nacional.
Outra questão que me chama a atenção nesses textos é o quase consenso de uma crise de representatividade que assola as democracias vigentes. Em outras palavras, o povo não se vê representado em seus governantes. Isso, por sua vez, pode ser fruto tanto de um processo da construção e fomento de uma cidadania passiva, na qual os eleitores e eleitoras somente votam e acreditam que estão cumprido com o papel de cidadão demandado pela sociedade, quanto também da ausência de incentivo à participação popular nos processos decisórios, seja dificultando e complexificando o acesso e compreensão das informações disponíveis para tomada de decisão, seja também pelo pobre conhecimento do processo legislativo que a maioria da população tende a ter, se não educada sobre isso.
Nesse sentido, uma educação sobre a democracia, na qual se aprende as “regras do jogo”, como diria Noberto Bobbio, aliada a uma educação pela democracia, na qual se aprende na prática e no envolvimento nas instâncias populares e nos ambientes em que se decidem as leis, se mostra como fundamental para que se possa pensar uma educação para a democracia, ou seja, uma educação que visa promover cidadãos e cidadãs mais ativas em nossa sociedade.
Que a tecnologia pode ajudar, não tenho dúvida. Contudo, esse movimento não deve ser somente de cima para baixo (top-down como gostam de falar), mas também deve nascer nas iniciativas populares, forçando o Estado a ouvir as diversas demandas da sociedade. Afinal, como sabemos desde Maquiavel, a sociedade é formada pelo conflito, ou em termos mais atuais, reconhecer o caráter agonístico da democracia é fundamental para que as lutas por uma sociedade mais participativa não sejam esquecidas.